sábado, 18 de julho de 2009

O problema é a circuncisão

1
Não sabemos se o presidente do Instituto Português do Sangue (IPS) é ou não homofóbico. E não é possível sabê-lo através das suas declarações públicas. Ele limitou-se a sublinhar a resposta que o Ministério da Saúde deu a um requerimento do Bloco de Esquerda sobre a alegada discriminação de homossexuais nos serviços do Estado que fazem recolha de sangue.

Disse o Ministério ao Bloco: "A necessidade de garantir que os potenciais dadores não têm comportamentos de risco (...) leva à exclusão dos (...) que declararem ter tido relações homossexuais". Foi a primeira vez que o Ministério admitiu oficialmente tal prática.

A seguir, disse o presidente do IPS aos jornalistas: "Por razões anatómicas os homens estão mais expostos a doenças graves". Refere-se, obviamente, à circuncisão. É mais que sabido que os homens não circuncidados têm maior probabilidade de contrair doenças sexualmente transmissíveis. A revista científica
The Lancet já publicou estudos sobre isso: aqui e aqui. As mulheres não têm, deste ponto de vista, comportamentos de risco.
2
Entretanto, o coordenador nacional para a infecção VIH/sida admite que "os homossexuais têm prevalência mais alta de algumas infecções, nomeadamente de hepatite". Mas acrescenta que não há razões para excluir grupos da dádiva de sangue. Concorda com a exclusão, mas não a admite.
3
A acreditar no Ministério, a pergunta que se faz aos potenciais dadores não é sobre a sua orientação sexual. É sobre as suas práticas sexuais - o que faz sentido. No 'site' do IPS diz-se que está excluído da dádiva de sangue quem, "sendo homem ou mulher, teve contactos sexuais com múltiplos (as) parceiros(as)" ou "teve um[a] novo(a) parceiro(a) nos últimos seis meses".
4
Uma associação LGBT, a ILGA, veio dizer que que "em vez de perguntarem especificamente sobre comportamentos de risco, optaram por uma lógica errada". A lógica desta associação LGBT é que está errada: ao perguntar a homens se tiveram sexo com vários homens é sobre comportamentos de risco que se está a perguntar, não sobre a orientação sexual. Sexo com homens qualquer um pode ter: seja 'hetero', 'homo' ou 'bi', assumido ou não assumido, de facto ou de circunstância.
5
Dir-se-á que o importante não são os questionários prévios à dádiva de sangue, (triagem clínica). O importante são os testes que têm de ser feitos ao sangue recolhido, porque só esse critério é objectivo, científico, não discriminatório e não permeável à mentira. Claro que sim, mas optar apenas pela segunda seria esquecer as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) desde 1975 e seria ir contra a lei portuguesa. A triagem por meio de questionário é obrigatória.
6
Pode haver homofobia no IPS e no Ministério da Saúde, mas nada até agora o comprova. Mas para que não paire a ideia de discriminação em função da orientação sexual, o Ministério precisa de obrigar os serviços de recolha de sangue a perguntar mais coisas aos homens que tiveram sexo com vários homens: se são ou não circuncidados e se usaram ou não preservativo. Homofobia é outro departamento.


Bookmark and Share