A propósito do alegado plágio de Miguel Sousa Tavares, valerá a pena ler o que se segue. Foi publicado no nº 12 da revista de contos "Ficções", datada do segundo semestre de 2005. É uma nota ao conto "Lolita", de Heinz von Lichberg (1890-1951), traduzido para português por Marília Mendes. Uma vez que a directora da revista é Luísa Costa Gomes, será de supor que seja ela a autora desta nota. Ou será a tradutora?
Esta pequena curiosidade kitsch [o conto "Lolita"] teria continuado esquecida se na edição de 19 de Março de 2004 do Frankfurter Allgemeine Zeitung, não tivesse o ensaísta Michael Marr escrito que Nabokov, possivelmente de forma inconsciente, se inspirara nele para escrever o seu romance Lolita (1955). De facto, para Maar, as semelhanças são muitas: em ambos os casos um homem conta a história de um amor louco por uma jovem chamada Lolita, praticamente ainda criança. As duas são filhas dos donos da casa onde o homem está hospedado, este fica enfeitiçado logo à primeira vista e é Lolita quem seduz o homem. Mais ainda, salienta Maar num artigo posterior, há semelhanças entre o enredo de outro conto de Lichberg, Atomit, e o drama A Invenção de Waltz de Nabokov. Walzer (waltz — valsa, em inglês) é também o nome dos irmãos gémeos do conto Lolita. É possível que Nabokov conhecesse este conto? Ele viveu entre 1922 e 1937 em Berlim, na mesma parte da cidade que Lichberg. Sabia alemão e traduziu poesia de Heine e a dedicatória do Fausto de Goethe para russo. Não tinha os alemães em grande consideração, mas era admirador de Hoffmannstahl e de Kafka. Poderia também, conclui Maar, ter conhecido A Maldita Gioconda do então famoso jornalista Lichberg. O artigo de Maar gerou uma onda de polémica dentro e fora da Alemanha, e foram muitas as vozes que se ergueram contra a sua tese. Uma hipótese que Maar avança, mas que ele próprio põe em causa, é a de que Nabokov teria, ao escrever Lolita, «sofrido » de criptomnésia, ou seja, terá reprimido inconscientemente uma memória que acaba por lhe aparecer como criação original. O conceito de criptomnésia tem, obviamente, inúmeras implicações nas questões da criação e da intertextualidade. Outra possibilidade, menos rebuscada, para a eventual omissão, se de facto existiu, prender-se-ia com o facto de Lichberg ser nazi dos mais activos e Nabokov ferozmente antinazi (o irmão morreu num campo de concentração).