terça-feira, 6 de março de 2007

Consumo não mudou o mundo

Assim pensava Jean Baudrillard:

Toda a ideologia do consumo pretende levar-nos a crer que entrámos numa era nova e que uma «Revolução» Humana decisiva separa a Idade dolorosa e heróica da Produção da Idade eufórica do Consumo, em cujo seio se faz justiça ao Homem e aos seus desejos. Nada disso. Quando se fala de Produção e Consumo
trata-se de um só e idêntico processo lógico de reprodução amplificada das forças produtivas e do respectivo controlo. Tal imperativo, que pertence ao sistema, passa para a mentalidade, para a ética e ideologia quotidiana eis a grande astúcia — na sua forma inversa: sob a capa de libertação das necessidades, do desabrochamento do indivíduo, de prazer e abundância, etc. Os temas da Despesa, do Prazer, do Não-cálculo («Compre agora, pagará mais tarde») revezaram os temas «puritanos» da Poupança, do Trabalho, do Património. Mas, só na aparência é que nos havemos com uma Revolução Humana: na realidade, trata-se da substituição para uso interno, no quadro de um processo geral e de um sistema que no essencial não mudou, a partir de determinado sistema de valores para outro que se tornou (relativamente) ineficaz. O que poderia constituir uma nova finalidade transformou-se, depois de esvaziado do conteúdo real, em mediação constrangida da reprodução do sistema.
As necessidades e as satisfações dos consumidores são forças produtivas, actualmente forçadas e racionalizadas como as outras (forças de trabalho, etc.). O consumo, onde quer que o explorámos (com dificuldade), revelou-se, contra a intenção da ideologia vivida, como dimensão de coacção (...).

"A Sociedade de Consumo", Jean Baudrillard, Edições 70, 1995 (p. 82)