segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O homem mais bonito do mundo é uma ficção?

No "Público", hoje. Excerto:

O escritor Truman Capote apaixonou-se pela beleza única de Denham Fouts e fez dele personagem de um livro - há 20 anos. Foi o que bastou para nunca mais ninguém saber a verdade sobre o prostituto de luxo que encantou uma geração inteira de milionários e artistas.

O que muda tudo é uma fotografia. Quando sai o primeiro romance de Truman Capote, Outras Terras, Outras Gentes, em 1948, nos EUA, o escritor ainda não é uma celebridade das letras e da vida mundana, mas a queda para a autopromoção é já evidente. Faz questão de aparecer na contracapa. Tem 22 anos, ar neutro, eternamente a caminho da idade adulta. Está estendido num sofá, vestido, em pose lânguida. E desafia com o olhar a objectiva de Harold Halma. A fotografia, do ano anterior, tornar-se-ia tão famosa quanto o livro. É com ela que Capote (1924-1984) entra na vida de Denham Fouts [na foto abaixo], um americano que vive em Paris. Outras Terras, Outras Gentes (Livros do Brasil, 1956) chega-lhe às mãos. Ele fica fascinado com a imagem e, através de um amigo comum, faz saber a Capote que o quer conhecer. Consta que envia ao escritor um cheque em branco, para as despesas de viagem, América-Europa, e escreve apenas isto no verso: "Vem." Capote vai, alegadamente a expensas próprias. E sabe bem ao que vai: Denham Fouts é um prostituto de luxo de fama internacional, homem preguiçoso e arrebatador, presença habitual na cama de artistas e milionários. Como poderia o escritor não o querer conhecer?
Encontram-se em Maio de 1948. Muito depois, em 1972, Capote escreverá uma versão ficcionada da vida do amante: Unspoiled Monsters, um conto revelado na revista Esquire e incluído em Súplicas Atendidas (Asa, 1993), o seu último livro, publicado há 20 anos, no Verão de 1987, já depois da sua morte. O conto "não é totalmente fiel" ao percurso de Denham Fouts, avisa o escritor Gerald Clarke na biografia de 600 páginas de Capote, publicada há seis anos. Na verdade, nada do que se conta sobre Denny, diminutivo por que Denham Fouts ficou conhecido, é muito fiável. "Muita gente o conheceu, mas muito pouca soube realmente quem ele era", acrescentaria Clarke numa conversa telefónica descrita no livro de Charles Casillo Boys, Lost & Found, de 2006. Não por acaso, Casillo chamou A Lenda ao capítulo que dedicou a Fouts.

Será que a história da vida dele, como a fixou Capote, e a tinham aflorado, também ficcionalmente, Gore Vidal (no conto Pages from an Abandoned Journal, 1956) e Christopher Isherwood (romance Down there on a Visit, 1962), não passa de uma lenda? Fouts terá tido os amantes que lhe atribuem? E levado a vida marginal que lhe colam? Capote ensaiou uma resposta ao pôr na boca do narrador de Unspoiled Monsters esta frase ambígua: "Como a verdade não existe, não passa de uma ilusão." De resto, a possibilidade de se saber a verdade na primeira pessoa já desapareceu: ao perceber que o filho era homossexual, a mãe, Mamie, viúva, com 76 anos, queimou todas as páginas de um manuscrito de memórias que ele escrevera e lhe enviara pouco antes de morrer - garante uma prima, Alice Denham, em Sleeping with Bad Boys, de 2006. Bruno Horta