sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Carloto Cotta e Carolina Salles

Carloto Cotta, 28 anos, actor

Fala muito com as mãos e parece querer desmontar a imagem de êxito que ganhou através dos filmes "Tabu" e "Arena". Diz-se pouco requisitado, mas só tem trabalhado com realizadores de referência.



Nasceu em Paris em 1984, veio para Lisboa com dois anos, cresceu com a ideia que os pais lhe transmitiram de um paraíso perdido em África. “A família da minha mãe é de Moçambique, o meu pai combateu lá, voltaram depois do 25 de Abril. Nos Natais víamos filmes de família com aqueles projectores antigos, uma coisa muito cinematográfica”, recorda Carloto Cotta.

Visitou Moçambique pela primeira vez durante a rodagem de Tabu, de Miguel Gomes, este ano aclamado no Festival de Berlim com o Prémio FIPRESCI (da crítica) e o Prémio Alfred Baeur de Inovação Artística. Em 2009, foi protagonista de outro marco do cinema português: Arena, de João Salaviza, Palma de Ouro em Cannes.

“Nada disto é deliberado”, comenta o actor. “Não acredito em acasos, acho que há um sentido não óbvio nas dinâmicas da vida, mas as coisas acabam por acontecer, vou encontrando pessoas que estão em sintonia comigo artística e humanamente. Tenho feito alguns trabalhos de grande notoriedade, isso pode dar a ideia de grande êxito. Mas é uma ilusão. Nunca fui um actor muito requisitado.”

Ainda assim, tem sido escolhido por realizadores de referência: João Pedro Rodrigues (Odete, Morrer Como um Homem), Marco Martins (Como Desenhar um Círculo Perfeito), Eugène Green (A Religiosa Portuguesa), e Raúl Ruiz (Mistérios de Lisboa). Há poucas semanas regressou de La Paz, na Bolívia, onde filmou Olvidados, de Carlos Bolado, com estreia prevista para 2013. Foi a primeira vez que representou noutra língua que não o português; em espanhol, neste caso.

“Não rejeito muitos convites, também não tenho cinco guiões dos quais escolher um. Posso ter muito que fazer ou passar umas semanas a tocar música ou fazer surf em Carcavelos. Sou intuitivo, é por aí que me governo. Penso se vou ser feliz enquanto faço um trabalho. Isso é um dos critérios principais. Não me tenho enganado muito.”

Celebrado pela sua beleza negligente, Carloto Cotta é uma pessoa física e mística – “aprendiz de místico”, diz –, admirador de Fernando Pessoa, Pink Floyd, fado, Carlos Paredes, punk português dos anos 90. E não tem ar de quem goste de ser o centro das atenções. Durante a entrega dos Prémios Time Out Lisboa, na semana passada, o actor foi receber o troféu atribuído ao Filme Português do Ano, Tabu, e confidenciava, já depois de um brevíssimo discurso de agradecimento, não ter jeito nenhum para estas ocasiões.

“É doloroso ver-me, em todos os sentidos. Mesmo ver-me ao espelho é um processo difícil.  É como quando se aproxima uma guitarra eléctrica de um amplificador: quanto mais se aproxima, mais feedback faz. Se estiver à distância certa, consigo ter uma experiência neutra ou até com prazer. Se me aproximo muito do meu trabalho, pode haver um feedback”, desabafa.

O primeiro filme em que entrou foi a curta 31, de Miguel Gomes, aos 17 anos. Me Cago en Dios, de Iñigo Ramírez de Haro, monólogo que ele próprio traduziu, foi a sua primeira peça, trabalho de fim de curso na Escola de Teatro de Cascais. Apresentou o mesmo texto em 2006, na Comuna, sob protestos de espectadores que se sentiram ofendidos pelo título. “Gostava de voltar a trabalhar com o Iñigo, é um génio. Também gostava de voltar a trabalhar com o Gonçalo Amorim [que o encenou em A Mãe, de Brecht, em 2009]. Há vários nomes, não os vou dizer para não parecer que ando a pedinchar. É coisa que nunca fiz na vida.” Bruno Horta


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Carolina Salles, actriz, 22 anos

Chegou ao teatro há três anos mas já terá tido um dos papéis da sua vida em “Salomé”, de Oscar Wilde. Cresceu a fazer televisão, estudou na Escola Superior de Teatro e Cinema e defende a técnica como parte essencial do seu trabalho. Já no próximo ano regressa ao palco. 


“Um poema em movimento”, escreveu sobre ela o crítico de teatro da Time Out Lisboa, Rui Monteiro. E não esteve sozinho. Em geral, a crítica e o público renderam-se à Salomé que Carolina Salles protagonizou em Maio no espaço Ribeira, ao Cais do Sodré. Um texto de Oscar Wilde, com encenação de Bruno Bravo, da companhia de teatro Primeiros Sintomas.

A actriz gostou muito das reacções, mas agora, já a pensar na reposição da peça em meados de 2013 e numa nova encenação dos Primeiros Sintomas, O Retrato de Dorian Gray (Wilde, novamente), acusa o peso da responsabilidade: “Trabalhei muito, mas não estava à espera que funcionasse tão bem. Tivemos quase cinco meses de ensaios, o que nos dias de hoje não é comum. Isso ajudou muito. Mas é muito ingrato para um actor sentir que tem uma responsabilidade acrescida quando um trabalho corre bem. Não tem de ser assim. Somos pessoas. Tenho pensado nisso, quero afastar esse peso.”

Carolina Salles nasceu em Lisboa em 1990, estreou-se como actriz aos nove anos, na série O Bairro da Fonte, produzida pela NBP para a SIC. E no teatro, como profissional, em 2009, na peça Odisseia Cabisbaixa, encenada por Carlos Pessoa.

É uma rapariga de presença tímida, com timbre de voz infantil. Fala do trabalho de forma entusiasta, deixando transparecer grande encantamento, ao mesmo tempo que demonstra opinião firme sobre problemas da sua profissão.

“Estreei-me em teatro recentemente, mas trabalho como actriz desde criança. Parecendo que não, isso levou-me a crescer depressa”, conta. “Quando era pequena, dizia-se que era demasiado responsável para a idade, mas agora nunca associam a minha imagem à idade que tenho. Quando me vêem numa fotografia dizem ‘ai, que menina tão bonita’. Já me deram 13 anos, já me deram um pouco mais... Às vezes é difícil parecer adulta com a voz que tenho. Já me incomodou bastante nos tempos em que estudava. Os professores de teatro só falavam da minha voz, diziam que tinha de trabalhar mais esta parte.” 

Quem a ouve não pode deixar de pensar em ambiguidade. O mesmo se diga de Salomé dos Primeiros Sintomas, menina ingénua e perversa, tão vítima quanto tirana. “A personagem é mais nova do que eu mas as pessoas identificam-na  facilmente comigo em termos de imagem. Não diria que tenho a perversidade dela, tenho é um lado adulto, natural numa pessoa de 22 anos.”

É esse lado maduro que fala quando Carolina Salles, que estudou ciências até ao 12º ano e depois entrou para a Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, avalia os critérios que muitas vezes orientam as audições. “Hoje toda a gente quer ser actriz, mas as pessoas primeiro começam a fazer e depois é que pensam em ter formação. Eu também fiz isso, mas era uma criança. E estudava ao mesmo tempo. Entristece-me que se escolha para um trabalho alguém com uma certa imagem, mesmo que nunca tenha feito teatro ou televisão.”

Conversadora, introspectiva, doce, Carolina Salles descreve-se como uma actriz que faz uso, por esta ordem, de “instinto, improviso e técnica”.  E quando lhe perguntamos se prefere o teatro clássico ou o contemporâneo, opta por não decidir. “Não sinto que esteja em posição de rejeitar um trabalho por não gostar de um texto. Neste momento ainda não há uma linha que sinta ser a minha.” Bruno Horta


[textos publicados na revista Time Out Lisboa de 26 de Dezembro de 2012]