segunda-feira, 25 de março de 2013

Perfil do líder do PKK, Abdullah Öcalan

De problema a solução

De terrorista a pacificador, o líder do PKK lutou pelo reconhecimento dos curdos e pela sua própria sobrevivência política.


O líder do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), Abdullah Öcalan (apelido que, em turco, significa “vingador”) nasceu em 1948 numa família de camponeses pobres em Omerli, aldeia curda no Sudeste da Turquia. Em criança queria ser “soldado como Atatürk”, o fundador do Estado que emergiu dos escombros do Império Otomano.

Embora os turcos o tenham acusado de “fuga ao serviço militar”, Öcalan diz, num dos seus livros de memórias, que terá pedido para ingressar no Exército mas foi recusado, “por ser curdo”. Em 1974, o homem a quem os fiéis chamam Apo (tio, em curdo) fundou com três dezenas de companheiros a organização maoísta APOCU, para levar a cabo uma “revolução socialista” na Turquia. Só a 27 de Novembro de 1978, quando criou o marxista-leninista PKK, Öcalan deu nova dimensão ao nacionalismo curdo. A sua primeira preocupação foi eliminar o que considerava o “facciosismo” do movimento. No fi nal dos anos 1970, os alvos de Öcalan eram os agas (senhorios), a velha liderança social feudal, não o Governo turco. 

Em 1980, depois de mais um golpe militar que deixou a Turquia sob lei marcial, Öcalan mudou-se para Damasco (rival de Ancara), onde recebeu autorização para treinar, no Líbano, um exército de guerrilha. No vale de Bekaa, a “academia” do PKK formava curdos turcos, sírios e iraquianos. Também recrutava mulheres, o que colidia com as tradições.

O primeiro ataque do PKK na “luta pela independência”, a 15 de Agosto de 1984, foi o assassínio de vários “guardas de aldeia”, milícia curda ao serviço do Exército, na província de Siirt, no Sudeste. Nos anos seguintes, a organização firmaria a reputação de uma das “mais brutais e eficazes guerrilhas do mundo”. Contrabando de droga e extorsão financiavam as suas campanhas.

Segundo as 400 páginas de acusações apresentadas em tribunal, em 1999, Öcalan ordenou a morte de centenas de civis, o rapto de turistas estrangeiros e a destruição de várias esquadras da polícia e outras instituições turcas. Mandou prender uma ex-mulher, por deslealdade, e executar um número indeterminado de camaradas, por criticarem ou contrariarem as suas directivas.

Ao invés de se afastarem deste ferino Öcalan, os curdos, tratados pela Turquia como “um problema de terrorismo”, encheram as fi leiras e os cofres do PKK. Em 1992, as regiões curdas do Sudeste começaram a cobrar “impostos” e a emitir “vistos” para os estrangeiros interessados em visitar o “Curdistão”. A reacção do Exército foi a evacuação de 3000 aldeias e a transferência forçada de três milhões de curdos da Anatólia. Sem apoio logístico, muitos combatentes instalaram-se no Norte do Iraque, onde o PKK, sempre perseguido pelas forças turcas, tem mantido um elo, ora de cooperação, ora de confronto, com a dupla Massoud Barzani-Jalal Talabani e os seus peshmerga (“os que enfrentam a morte”).

O exílio de Öcalan em Damasco terminou em 1998, quando a Turquia ameaçou a Síria com uma declaração de guerra. Em Outubro, os sírios fecharam os campos do PKK e pediram-lhe que deixasse o país. Não o extraditaram, como exigia Ancara, e ele foi bater à porta de Moscovo. A URSS, aliada de Öcalan, fora dissolvida em 1991 e o novo Governo russo expulsou Apo, cedendo às pressões turcas e dos EUA.

As paragens subsequentes do foragido foram a Itália e a Grécia e depois o Quénia. A caminho do aeroporto de Nairobi, em Fevereiro de 1999, o carro que transportava Öcalan foi desviado por comandos turcos, que o levaram, algemado e vendado, num avião até à ilha-prisão de Imrali, no mar de Mármara, onde é, desde então, o único recluso. A captura de Öcalan — a sua condenação à morte foi comutada para prisão perpétua, sob pressão da União Europeia — não neutralizou o PKK. As operações do Exército enfraqueceram a guerrilha, que passou de 10 mil-15 mil membros para uns 5000.

Mas o que ditou o cessar-fogo anunciado por Öcalan foram mudanças geopolíticas. Acima de tudo: o fim do apoio da Síria e do Irão, e o reconhecimento da “questão curda” pelos próprios líderes políticos turcos — que enviaram emissários a Imrali para negociarem com ele o fim do conflito.
[Texto de Margarida Santos Lopes, Público, 22 de Março de 2013]