domingo, 17 de setembro de 2006

França: negócios com lucro no mosteiro

FACTOS
Na revista Sábado de 17 de Agosto.
São frades e, além de rezarem, produzem vinho, mel, café e gel de banho. Não recusam o lucro. O dia deles tem oito horas de sono, oito de oração, oito de trabalho pesado – e começa de madrugada, às 3h15.

Vivem fechados entre o silêncio e a es­curidão. Vestem roupas compridas e pesadas, calçam sandálias de couro e rezam a Deus. Os monges franceses da aba­dia de Sept-Fons são contemplativos e de­votos da espiritualidade – mas não perde­ram o sentido prático da vida. "A par da ora­ção, o trabalho é a base da vida monástica", justifica à revista Le Point o irmão Alexis, di­rector da empresa Moulin de Trappe, pro­priedade dos 70 monges de Sept-Fons.
O dia começa de madrugada, às 3h15, e além da oração e das leituras divinas inclui um trabalho agrícola pesado. "É uma fun­ção ingrata na nossa comunidade, porque contraria o que deve ser o nosso estilo de vida", diz o irmão Alexis, em tempos aluno de uma escola comercial nos EUA.
A empresa tem uma gama de 80 produ­tos, entre os quais mel, cacau em pó, café, biscoitos e, mais importante que tudo, gér­men de trigo, um poderoso suplemento ali­mentar que é vendido directamente a lojas dietéticas e às grandes cadeias francesas de hipermercados.
A Moulin de Trappe procura o lucro: só no ano passado, o volume de negócios as­cendeu aos 4 milhões de euros. No entan­to, como a inspiração é divina, há regras rí­gidas: tentam falar o menos possível uns com os outros e não ouvem música en­quanto trabalham. Fazer pausas é quase blasfémia. "Procuramos descansar discre­tamente", diz um dos responsáveis. No Ve­rão, quando tiram férias, em vez de se instalarem num bom hotel e jogarem golfe, como fazem outros empresários, os mon­ges de Sept-Fons viajam para a República Checa, onde têm uma espécie de sucursal da abadia.
Este não é caso único em França. Desde há pelo menos 17 anos, vários mosteiros e abadias estão juntos no pro­jecto Monastic. Trata-se de uma marca para a qual contribuem cerca de 250 comunidades cris­tãs com a produção de doce de fruta, chocolate, licor, gel de ba­nho, tisanas, vinho, cerveja, queijo e biscoitos. O negócio surgiu quan­do começaram a sentir dificuldades em so­breviver: não recebiam subsídios do Vati­cano e os donativos eram cada vez mais raros.
A qualidade dos produtos, alguns deles fiéis a receitas ancestrais, é uma das razões que faz prosperar o negócio. Na Internet, www.boutiques-theophile.com reven­de para todo o mundo, e com grande êxito, a produção conventual francesa.
Estes empresários queixam-se, ainda as­sim, de concorrência desleal por parte de marcas industriais, que, para captarem clientes, fazem publicidade com imagens e termos ligados à vida nos mosteiros, embo­ra nada tenham a ver com ela.
BH

Ordens portuguesas só rezam
Nenhuma ordem religiosa em Por­tugal faz negócios, assegura Maria Manuel, da Conferência dos Institu­tos Religiosos de Portugal. O famo­so vinho da Cartuxa, por exemplo, tem o nome do mosteiro de Évora, mas não é feito por frades – a Fundação Eugénio de Almeida é que o produz. O mais comum entre as ordens portuguesas é o fabrico de bolachas, doces, terços ou vestes litúrgicas. Com significado comer­cial, só a venda de licor no mosteiro de Singeverga, distrito do Porto.