OPINIÃO
Reproduzimos excertos do belíssimo editorial que Fernando Paulouro Neves assina na última edição do Jornal do Fundão. "Liberdade - livre ou tutelada?", questiona, em título, o director de um dos mais antigos jornais regionais do país. A tese de Paulouro Neves é a de que quem detém o poder (qualquer poder) costuma olhar a liberdade de expressão como meio para manter o poder, cerceando-a.
"Nunca foi fácil o convívio dos poderes com a crítica e a liberdade de expressão e esse mal-estar com frequência faz estalar o verniz de uma paz democrática assente sobretudo no formalismo das conveniências e no lugar comum dos interesses que moldam e tipificam a acção política. Essa tendência de olhar de viés as ideias ("Mas Excelentíssimos senhores é possível viver sem ideias?", Antero de Quental), é um dos sintomas mais vivos de que a sociedade portuguesa está longe da maturidade democrática que devia enformar o poder político. Agora, pelos vistos, quando se celebra a glória do pensamento único, já nem se tenta disfarçar a incomodidade que provoca o pensar autónomo e livre, a liberdade de expressão como direito inquestionável da nossa matriz constitucional. É certo que não faltam jogos de bastidores quando a conveniência do status quo é abalada pela consciência crítica ou o alcance da sua expressão pública causa, no silêncio comprometedor de paz podre, um ruído de maior relevo social.(...)
Dizem (...) que fazer da informação uma questão incómoda, denunciar os atropelos contra o bem público, isto é, defender os interesses intocáveis da rés publica, é uma insensatez. Senhores do dinheiro, ou tidos como tal, empresários de falência abençoada, sujeitos de cumplicidades partidárias, com alvará para defraudar o erário público, fazem hoje dos tribunais uma espécie de campo de treino, apostando no toto-bola da justiça, que é coisa também muito conveniente. Dessas teias se tece a conjuntura contra a liberdade de expressão. Falem baixinho. Viva a paz dos cemitérios!"
Fernando Paulouro Neves, Jornal do Fundão, 14/09/06