quarta-feira, 6 de dezembro de 2006

Novo disco de Sam The Kid

Na DIF de Dezembro.

Adivinha quem voltou....

Foi no meio destes prédios altos, destes cantos e recantos fabulosos, onde de dia há carros estacionados, velhotes que apanham sol e crianças que correm umas atrás das outras, e à noite sabe-se lá o que há, que cresceu o Samuel Mira.

Vamos ter com ele a meio de uma sexta-feira de Novembro. Já nos espera, na rua. Não parece animado ou afável. Talvez porque tenha saído da cama há pouco tempo (ligámos-lhe às duas da tarde, mas ele só devolveu o telefonema às três, quando acordou). Subimos ao sétimo andar, num elevador macerado pelo tempo e aparentes maus-tratos. Lá em cima, vista para outros prédios altos. Lisboa.

E é como se só agora, na casa do Samuel, neste quarto onde tem gira-discos, colunas, mini-disc, leitor de CD, mesa de misturas, MPC (Music Production Center, para manipular sons) e um computador novo que já se avariou, se percebesse quem é ele e porque é que faz a música que faz. “Gosto muito de viver aqui, não troco Chelas por lugar nenhum”.

O Samuel é Sam The Kid, 26 anos, puto de bairro a quem um amigo mostrou há mais de 15 anos uma cassete de vídeo com os telediscos que a MTV passava dos rappers americanos do momento e que agora tem discos e telediscos só dele, para os outros putos curtirem, fechados nos quartos dos prédios altos ou sabe-se lá onde, com quem, a fazer o quê.

Afinal, não está desanimado, nem é pouco afável. Sofre de timidez. Mas passa-lhe assim que começa a falar do seu regresso. “Pratica(mente)”, o novo disco, sai este mês, depois de quatro anos de preparação. “Não queria demorar tanto, mas tive um quisto numa corda vocal e perdi muito tempo. Além disso, os outros álbuns [o primeiro é de 1998; longa lista de discografia em http://www.myspace.com/samthekid] gravava-os aqui em casa, quando queria, mas desta vez fui para estúdios e quase só trabalhava uma vez por semana, por causa da disponibilidade de técnicos. Sou um bocado perfeccionista, às vezes voltava para casa, ouvia os temas e ainda queria fazer mais alterações”. A voz é martelada, sai-lhe depressa, às vezes precisa de aclarar o pigarro. Não fuma.

No dia em que falámos, uma preocupação: dois ou três temas novos já circulavam na Internet. Um deles, “Poetas de Karaoke”, é o primeiro single, com teledisco, de Rui de Brito, a passar na MTV portuguesa, sobre os artistas portugueses que cantam em inglês e as rádios que não tocam os que cantam em português.

Sam desconfia que os sons foram pirateados depois de ter feito várias cópias em CD para dar a uns músicos que actuaram com ele ao vivo, há mais de um ano. Alguém se terá esquecido do CD algures, alguém terá ficado com ele indevidamente. Talvez tenha sido isso. “Só fico preocupado porque quero vender discos e as pessoas podem pensar que o que já está na net é a versão final dos temas, mas não é”, assegura.

A ideia de independência, face às grandes editoras e ao mercado, é fundamental para ele. “Não sou contra a publicidade, mas nunca aceitaria fazer uma letra para uma campanha, porque seria obrigado a passar uma mensagem que não me diz nada. Uma música, talvez fizesse, mas teria de pensar bem”. Do mesmo modo, não aceita fazer playback e por isso recusa muitas propostas para ir à televisão. “Tenciono manter esta posição até ao fim”.

Apesar disso, anda fascinado com o “Playback” de Carlos Paião. Mostra-nos umas experiências sonoras que já fez com o tema. Revolve centenas de CD-R amontoados em gavetas e sacos de plástico. Abre as portas de um armário de madeira onde há milhares de discos de vinil. Um fascínio.

No álbum novo há uma canção chamada “A Partir de Agora”, sobre o facto de Sam não querer ser um artista “bacano e humilde”. E há divagações sobre velhos que querem ser novos e novos que querem ser velhos, histórias pessoais que só ele e a família entendem, a apologia de uma certa forma de ignorância de que se orgulha. Cool Hipnoise, Kalaf e Pacman são três dos convidados.

“Outro dia encontrei o [músico e cantor] Fernando Girão que me disse: ‘não faças sons bonitos, aperta com eles’. Aceito todas as opiniões e respeito-as, mas sei que o rap pode exprimir qualquer sentimento, não precisa de ser apenas raiva”.

B.H.