terça-feira, 19 de dezembro de 2006

O paraíso só vem no fim

As tradições de japoneses e tibetanos são inspiração para [a estilista] Alexandra Moura este Inverno. No entanto, a mítica quietude daqueles povos jamais se viu enquanto preparou a colecção.

Ela aparece num ecrã de televisão. Sopra um balão. Sopra que sopra e quando o balão já se abaulou é que se percebe o que ele diz: "Obrigado." Alexandra Moura não vai à passerelle agradecer, como é hábito, depois de os manequins terem passado a roupa toda, trabalho de muitas horas, no caso, da colecção Outono/Inverno. Desta vez, não vai. Agradece por meio de uma gravação que passa em vários ecrãs. Um balão e obrigado. Até rebentar. O balão e a música alucinada (Beethoven debaixo da guitarra do músico Daniel Cervantes) e as cores invernosas e a tensão muito própria dos desfiles não foi pequena a surpresa entre os circunstantes de uma Modalisboa que aconteceu há vários meses (26ª edição, em Março último), mas que ganha [no] Inverno a actualidade certa. Agora, portanto.

Mal termina a apresentação, ainda os aplausos soam, trocam-se confidências. Alexandra Moura é muito talentosa, do melhor que temos em Portugal, opina alguém que faz produções de moda há mais de 15 anos e que prefere passar incógnito. E ali está ela. No paraíso de um trabalho aplaudido, que traz paz e equilíbrio aos dias frios de Inverno. Seguríssima, fala às televisões e agradece elogios, nos bastidores. Tem 33 anos, desde há quatro que se atirou para a frente, em nome próprio. É já incontornável na semana da moda de Lisboa. Desta vez, foi às culturas japonesa e tibetana. Evoca-as, com emoção e muito trabalho.

Em Março, quando assistimos à fase final de preparação das propostas Outono/Inverno, ainda Alexandra Moura andava às voltas com o livro "The Path Of Buddha", de Steve McCurry, um fotojornalista americano da mítica agência Magnum, colaborador da National Geographic. "Esta colecção é inspirada na pesquisa que fiz durante uma viagem ao Japão, no ano passado, e nas imagens deste livro, que mostram a cultura e as vestes tibetanas", explica a designer, afogada em trabalho, no seu atelier, que é também escritório e showroom, no centro de Lisboa. "Emocionei-me muito com o livro."

Na verdade, estamos num apartamento. A decoração é sóbria. No chão, revistas de moda, "i-D" incluída, o último disco dos The Gift, livros com fotos de homens quase nus, com casas, com objectos de decoração. Fuma-se, e muito, Lucky Strike. Um computador portátil toca Mazzy Star. As janelas do Messenger piscam e ela não pára de teclar com amigos e conhecidos. O telemóvel ainda descansa, mas é por pouco tempo.

Sejam bem-vindos ao caos que precede a entrada de um conjunto de peças de roupa numa passerelle. Aqui ainda não há moda, há só inquietação, uma luta no tempo, num espaço exíguo para as lucubrações da artista. A entoação da voz sobe à medida que se aproxima a hora da verdade. Primeiro, pausada e afectuosa. Depois, nervosa e arrebatada.

E ainda nem chegámos aos bastidores.

B.H.

Excerto do artigo publicado na "Vogue" de Janeiro de 2007 (com fotos de José Pedro Tomaz).