"Não espero que Marcelo saiba o que é um aborto clandestino, ou o que sofrem as mulheres pobres que espetam agulhas ou praticam o aborto de vão de escada. Naquele mundo admirável e burguês onde vive uma existência doce o professor Marcelo, essas coisas simplesmente não são faladas, questão de educação. A hemorragia, o sangue, a pele furada, o útero escavado, a torpe operação clandestina, trabalho de mulheres sobre mulheres ao qual o professor é estranho e continuará, por razão fisiológica civilizacional, estranho, são coisas feias de mais. Os pobres são outro país, os ignorantes também. Quando era um político no activo, o professor saía muito à rua a cativar o voto dos pobres. Na verdade, os pobres em tempo eleitoral são como as mulheres que abortam, uma abstracção, um, digamos, «estado de alma». Eu nunca conheci uma mulher que abortasse por «estado de alma» ou «pequena depressão» ou por ter decidido «mudar de casa» (a minha razão favorita, confesso, das enunciadas por Marcelo)."
sábado, 3 de fevereiro de 2007
"Os pobres são outro país"
Clara Ferreira Alves no Expresso, hoje: