Um homem com uns 40 anos pede cigarros no cimo da escadaria que conduz ao Museu. E mete conversa. “Isto parece uma coisa bonita, deve estar muita gente da televisão”. Os carros passam na rua e abrandam na esperança de perceber as razões de um entra e sai invulgar ou deitar olho a uma celebridade qualquer que tenha acorrido. Num café de esquina, durante a tarde, uma mulher de meia-idade comenta: “Parece que só se entra por convite. Mesmo que tivesse, não ia”.
Quando se fala com quem há anos organiza a ModaLisboa (MLx) e nela trabalha (é da última edição, que decorreu entre 8 e 11 de Março, no Museu de História Natural, que falamos), encontram-se dois discursos sobre a tangibilidade do mais importante acontecimento de moda em Portugal. Que está aberta a todos e que a prova são as centenas de pessoas que assistem aos desfiles; que não é um sítio democrático, até porque quanto mais elitista a moda for mais se valoriza o sonho que vende.
É destas insanáveis contradições que a MLx, financiada pela Câmara Municipal e por fundos da União Europeia, não se consegue livrar: ser de facto elitista e abrir portas só à imprensa e aos empresários, dizer-se elitista e abrir-se aos socialites mais depauperados, não ser elitista e encontrar modo de acolher quem quiser ir, ter toda a gente por lá e deixar de ser chique, querer manter-se chique e ser vista como um evento de tias e gente estranha.
Por estes dias, numa entrevista ao Diário de Notícias, Eduarda Abbondanza, a todo-poderosa responsável pela MLx, assumia que se trata de um evento social, embora destacasse mais a sua dimensão comercial. A opinião de quem está por fora é diversa: o social, ou cor-de-rosa, bem instigado por revistas, ganha aos pontos.
Há ali moda, roupa para ser fotografada e apresentada nas páginas da imprensa especializada, investidores à espreita e muito trabalho de modelos, agências, estilistas, produtores de moda, maquilhadores, cabeleireiros, fotógrafos. Mas quem frequenta o sítio continua a jactar-se e a socorrer-se de um limitadíssimo glamour à portuguesa e é isso que a cidade e o País vêem.
Os desfiles da Moda Lx podem ser acompanhados na Fashion TV até 03 de Abril (sinal codificado) e na RTP 1 até 07 de Abril (sinal aberto).
Artigo publicado na revista "Obscena", Abril 2007.
Foto: José Luís Neves.