sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Assim se entra em casa do ditador

Mircea Eliade (1907-1986) foi adido cultural e de imprensa da embaixada da Roménia em Portugal entre 1941 e 45. A casa onde então viveu, perto da Avenida de Berna, em Lisboa, tem hoje uma lápide onde se assinala a estância. Além de político, Mircea Eliade foi escritor e historiador das religiões.
A editora Guerra e Paz publicou agora a primeira tradução portuguesa do diário que Eliade escreveu enquanto viveu em Lisboa. É uma tradução directa do romeno, de Corneliu Popa, e inclui índice onomástico e geográfico. Salazar é um dos nomes que maior número de referências tem.
Esta passagem, onde Eliade descreve um encontro com Salazar, é um primor:
"Cheguei ao Palácio de São Bento a correr e com a boca seca de emoção; não porque me iria encontrar com Salazar, mas porque estava com receio de chegar atrasado. Subo as escadas à pressa. O porteiro pergunta-me onde ia: «Ao Senhor Presidente». Mostra-me a escada do fundo: «Segundo andar, direito». Assim se entra em casa do ditador de Portugal. Encontro no segundo andar alguns empregados, que me encaminham para o gabinete de Salazar. Aguardo dois minutos na antecâmara e peço um copo de água para poder falar. Salazar ainda não acabou o encontro com uma comissão de administradores coloniais. Depois entro e recebe-me ele próprio à porta, pronunciando muito correctamente o meu nome.
Um gabinete modesto, com uma secretária de madeira, sem papéis em cima, e à sua esquerda uma mesinha onde esta o telefone. Falando comigo, Salazar muda de quando em quando a posição do telefone. São os únicos gestos." (7 de Julho de 1942; p. 63)