segunda-feira, 3 de março de 2008

O terror somos nós

As declarações do Cardeal Patriarca de Lisboa ao "Sol" de 1 de Março são preconceituosas e incompreensíveis. Disse D. José Policarpo:
"As pessoas começam por esbarrar com as dificuldades e habituam-se à ideia de um só filho. Desde que se quebre o coeficiente de equilíbrio, a sociedade fica aberta a ser ocupada por gente vinda do terror e vinda do Ocidente e do Oriente, como diz o Evangelho. O que faz com que seja previsível que, dentro de alguns anos, as sociedades europeias percam a sua fisionomia do ponto de vista religioso, do ponto de vista comportamental, cultural. Como se sabe, já há sociedades europeias a braços com a multiculturalidade e com a dificuldade de harmonia entre as diversas procedências da população, de que por um lado precisamos."
O Cardeal estava certamente a referir-se aos árabes. Mas esqueceu-se (muita gente, desde o 11 de Setembro, se tem esquecido) de que a cultura portuguesa descende da árabe. Não há portugueses de um lado e árabes do outro. Metade de Portugal (o Sul) é arábica. D. Manuel I tentou, sem êxito, expulsar os mouros em 1496. Eles já por cá andavam desde 711. Afonso Henriques só apareceu ao cimo da terra 400 anos depois.

O fundamentalismo de que acusam os muçulmanos não será assim tão diferente disso que os portugueses bem conhecem e prezam, às vezes além do aceitável: orgulho e dignidade.
"O árabe é altivamente orgulhoso, individualista e generoso, pronto a defender pela força os seus direitos e a sua dignidade pessoal, se necessário com absoluto desprezo pela própria vida", escreve o arabista Adalberto Alves no livro "O Meu Coração é Árabe" (3ª ed., 1999).

São estas características, medulares e não de agora, que explicam o extremismo islâmico e o terror a que se refere o chefe da igreja católica portuguesa. Mas são também
aquelas características, herdadas pelos portugueses, que determinam em grande medida a portugalidade a que se refere Miguel Real no ensaio "A Morte de Portugal" (1ª ed., 2007): lentidão, generosidade sem limites, espírito emotivo anti-racionalista. Podemos não gostar de ser idênticos aos terroristas, mas somos.