sábado, 19 de julho de 2008

A Bruxa Má dos Escritores

Versão completa do artigo "A Bruxa Má dos Escritores", publicado, em versão reduzida, na revista "Sábado" de 17 de Julho:

Há dois anos, a revista Time Out New York pediu a escritores e pessoas ligadas à indústria dos livros que classificassem os cinco principais críticos literários americanos. John Leonard, da Harper’s Magazine, ficou em primeiro lugar. Michiko Kakutani, do New York Times (NYT), ficou em penúltimo. A conclusão a que o painel chegou foi pouco edificante. Se houve quem a considerasse “a mais influente crítica que por aí anda”, outros disseram que tem “um estilo simples e uma opinião sempre pronta e afiada, mas sem dimensão humana”. Outros, ainda, defenestraram-na: “É reaccionária, teimosa, as suas críticas são previsíveis, más, feias, conservadoras, trocistas e vulgares”.

Michiko Kakutani, de 53 anos, vencedora de um prémio Pulitzer, é a mais temida das críticas da imprensa americana. E uma das mais odiadas. Todas as semanas, desde 1983, assina recensões bombásticas e nem os nomes mais sólidos da literatura contemporânea ficam a salvo. As editoras americanas até inventaram um novo verbo para designar os alvos da sua prosa: “Kakutanied” – em português, qualquer coisa como “ser kakutaniado”.

Uma das mais recentes polémicas, aconteceu há poucas semanas. “É a pessoa mais estúpida de Nova Iorque”, disse dela o escritor Jonathan Franzen, de cujo recente livro de memórias, The Discomfort Zone, Michiko disse cobras e lagartos. Há uns anos, foi Norman Mailer quem a atacou. Ao saber que o seu livro O Evangelho Segundo o Filho tinha sido considerado por Michiko como “tonto e presunçoso”, o velho escritor chamou-lhe “mulher kamikaze” e disse que “ela odeia escritores homens e brancos”. A famosa ensaísta Susan Sontag, que recebeu opinião negativa sobre o livro Olhando o Sofrimento dos Outros, disse que Michiko “faz críticas estúpidas, rasas e pouco objectivas”. Já Salman Rushdie referiu-se a ela como “uma mulher estranha, que parece oscilar entre a devoção a certos livros e o ódio”.

Michiko nasceu nos EUA (em New Haven, no Connecticut) e é de origem japonesa. O pai era um conhecido matemático, Shizuo Kakutani (a mãe não se sabe o que fazia). Licenciou-se em Inglês na Universidade de Yale, em 1976. No ano seguinte começou a trabalhar no Washington Post como repórter. Depois, foi para a revista Time. Em 1979, já só escrevia sobre temas culturais para o NYT. Desde 1983, é crítica literária.

Solteira, vive em Manhattan, nunca dá entrevistas e recusa a vida social, de beberetes e festas. Muitos editores americanos nunca a viram sequer. Fotografias delas, só as muito antigas. Consta que é fã da equipa de basebol New York Yankees e é amiga da colunista do NYT Maureen Dowd – igualmente uma polemista inveterada.

O facto de continuar a ser respeitada, apesar das suas opiniões, deve-se, em parte, ao Pulitzer, o mais importante prémio jornalístico dos EUA, que recebeu em 1998. Cinco mil dólares “pela sua escrita apaixonada e inteligente”, justificou o júri.

Uma das mais equilibradas análises ao trabalho de Michiko apareceu na revista Slate.com, há dois anos. Ben Yagoda, professor de jornalismo em Yale, disse que ela tem uma “inteligência respeitável”, que passa horas a digerir cada palavra alguma vez publicada pelo escritor que tem de analisar e que “leva os livros a sério, o que é coisa rara”. Depois, sentenciou: “Como crítica, é profundamente desinteressante. Dizer mal tem sido a única estratégia da sua carreira”. Bruno Horta