domingo, 10 de agosto de 2008

A masculinidade tem os dias contados?

No "Público" (caderno P2) de ontem; excerto:O aviso já tinha sido deixado há 18 anos pela polémica professora americana Camille Paglia, no ensaio Personas Sexuais, sobre o sexo no mundo ocidental: quando os valores vigentes em cada época sofrem mudanças drásticas, a masculinidade dá logo sinal, abrandando no seu vigor. Os metrossexuais que começaram a aparecer no fim da década de 90 aí estavam para confirmar a sentença. Os seus hábitos de beleza passaram a ser tão frequentes quanto decalcados dos femininos: cremes para todas as partes do corpo, depilação completa, ginásio, solário, roupas e acessórios vistosos - e um corpo sempre disponível para ser desejado.
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Desde esta semana, há uma novidade para baralhar outra vez as coisas. Na passada quarta-feira, a empresa londrina Taxi Cosmetics introduziu no mercado inglês um eyeliner e um rímel para homem. Os dois produtos chamam-se, respectivamente, Guyliner e Manscara. Os termos resultam da associação entre os nomes originais desses cosméticos e as palavras guy e man - homem, em inglês. "Pensamos que os 'verdadeiros' homens estão prontos para uma revolução na maquilhagem", anuncia a promoção na Internet.

A maior novidade destes produtos não está no facto de terem sido directamente subtraídos àquilo que costuma ser o estojo de maquilhagem das mulheres. A novidade está no público a que se dirigem. Desta vez, não são os gays o alvo principal. São os heterossexuais.

A marca Jean-Paul Gaultier vende maquilhagem masculina desde 2003 (relançada este ano sob o nome Monsieur). Inclui batom, base, eyeliner e rímel. Também desde há cinco anos, a empresa canadiana 4VOO comercializa o mesmo tipo de produtos em versão masculina, mas utiliza a subtileza comercial de lhes chamar produtos de aperfeiçoamento (enhancement) e não de embelezamento (beautifying). Nos dois casos, o público gay é o principal consumidor, confirmou o P2 junto do representante em Portugal da Gaultier, a empresa Polimaia, e do responsável pela 4VOO, Marek Hewryk.
Ora o Guyliner e o Manscara jogam noutro campeonato. Peter Kelly, fundador da Taxi, diz ao P2 que os heteros são os clientes preferenciais. Mas gays, góticos e fãs de rock alternativo também vão usar. "Não importa o tipo de homens, a idade ou a classe social", afirma. Por que está tão seguro disso? "Porque todos querem ter boa imagem", garante. "São dois produtos para melhorar o aspecto, não é uma maquilhagem carregada", justifica, usando a mesma retórica que a 4VOO. Ainda assim, admite frontalmente que o Guyliner e o Manscara não são mais que os mesmos produtos que as mulheres já usam, mas agora publicitados junto do mercado masculino. "É isso mesmo, a diferença está na embalagem, mais masculina, e no nome que demos."
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[Ao] pintarem os olhos, como pretende a Taxi, não estarão a maquilhar irreversivelmente a sua masculinidade. Mark Simpson acha que sim. Ele é o escritor e publicista britânico que em 1994 cunhou o termo metrossexual, através de um artigo que escreveu para o jornal Independent ("o homem metrossexual contradiz a premissa básica da tradicional heterossexualidade: só as mulheres é que são alvo do olhar e só os homens é que olham").

Questionado pelo P2 acerca dos dois novos cosméticos masculinos, Simpson é contundente: "Marcam uma nova atitude masculina: nada do que as mulheres fazem ou usam para serem bonitas está fora do alcance deles. Os homens de hoje não permitem que elas continuem a gozar de vantagens injustas, como a de terem óptimo aspecto depois de uma noitada."

Para Simpson, o Guyliner e o Manscara são "literalmente um produto da metrossexualidade" e provam que "os estereótipos sobre o que é gay e hetero e o que é masculino e feminino estão a desaparecer". A única diferença entre os cosméticos da Táxi e os já muito comuns cremes hidratantes ou correctores de olheiras é a de que os primeiros são visíveis e os outros passam despercebidos, assinala o escritor. "Mas até isso é apenas um sinal de quão fora do armário a metrossexualidade está." Bruno Horta