terça-feira, 14 de outubro de 2008

Contos da era da sida

Na "Time Out Lisboa" de 8 de Outubro:


Sexo, loucura, doença e morte, relações difíceis entre pais e filhos. É disto que fala o primeiro livro de contos do escritor luso-americano Richard Zimler, Confundir a Cidade com o Mar.

Escritos entre 1992 e 1997, são 16 contos anteriormente publicados em revistas literárias anglo-saxónicas (London Magazine, Yellow Silk ou Tikkun) e agora reunidos pela primeira vez. (...)

As relações entre iguais têm protagonismo e decorrem quase sempre na América, durante a década de 80, quando a sida apareceu e era tida como uma doença dos homossexuais. Ainda assim, o autor, homossexual assumido, recusa empurrar o livro para a secção gay ou queer. “Prefiro evitar rótulos”, esclarece Zimler, em resposta a perguntas da Time Out, via email.

No conto “Aprender a Amar”, por exemplo, aparece em cena um escritor octogenário, Giovanni, às portas da morte. O narrador despede-se dele, enquanto confessa: “É o único homem com quem dormi alguma vez. Não faço ideia se sou bissexual ou se tive simplesmente sorte em tê-lo conhecido. As minhas fantasias são quase sempre com mulheres, mas consegui ter sexo fantástico com ele”.

Em “Ladrões de Memórias”, o desaparecimento de um quadro do pintor Fernand Léger dá origem a uma discussão familiar. As suspeitas recaem sobre um irmão, que é gay e teria vendido o quadro para pagar tratamentos hospitalares para a sida.

Em “Pontos de Viragem”, um homem hetero tenta ajudar o jovem Denny a aceitar-se como gay e acaba por descobrir que o próprio pai teria uma sexualidade dúbia.

Segundo explica o escritor, a sua vida pessoal está plasmada nestes textos. A morte de um irmão, em 1989, vítima de complicações relacionadas com a sida, determinou o tom fúnebre que adopta e as constantes referências à loucura. “Descobri, através das minhas próprias dificuldades, que a loucura está muito perto de nós. Basta uma experiência traumática e podemos cair num mundo em que os contornos normais estão ausentes”, diz Zimler. Quanto ao sexo, aparece aqui por ter sido uma descoberta muito importante para o autor. “O sexo salvou-me a vida”, afirma. “Era um adolescente e jovem adulto tímido, reprimido e desajeitado. Quando consegui manter uma boa relação sexual com outra pessoa pela primeira vez, aos 22 anos, a minha vida melhorou muito. Foi como se pudesse respirar livremente pela primeira vez”.

Zimler nasceu Roslyn Heights, perto de Nova Iorque, em 1956. Vive em Portugal desde 1990 e ensina jornalismo na Universidade do Porto. Naturalizou-se português há seis anos. Publicou vários romances, o mais conhecido dos quais é O Último Cabalista de Lisboa (1996).

Confundir a Cidade com o Mar é editado pela Oceanos (grupo Leya) e custa cerca de 15 euros.