sábado, 24 de janeiro de 2009

Quando Hollywood era uma fábrica de sonhos gay

Uma velha fotografia dos actores Cary Grant e Randolph Scott pode ser prova definitiva de que eles tiveram um caso amoroso, diz um novo livro publicado nos EUA. Nele se defende também que ser homossexual em Hollywood nem sempre deu direito a proscrição

A história é conhecida, mas não cansa recordá-la. Dois homens cheios de charme, em início de carreira, pretendidos por todas as mulheres e acabados de chegar à terra de todos os sonhos. Hollywood, 1932. Cary Grant tem 28 anos e Randolph Scott 34. Dá-se a coincidência de começarem a trabalhar quase ao mesmo tempo para a Paramount Pictures, já então um gigante da indústria do cinema. E por coincidência também travam conhecimento nas filmagens de Hot Saturday, de William A. Seiter - segundo filme a sério em que Grant participa, depois de uma estreia prometedora em A Vénus Loira, de Josef von Sternberg. Ficam amigos. Tão amigos que se tornam mais do que amigos e decidem ir viver juntos. "A imprensa descreve essa vida em comum através de frases como 'a dupla de Hollywood' ou 'o casal feliz' e os boatos que circulam atraem os fãs e dão a entender que os dois actores partilham mais do que o apartamento", escreve Brett L. Abrams no livro Hollywood Bohemians, agora editado nos EUA.

O livro, de que foram publicados excertos este mês na revista gay americana Advocate, não traz novidades sobre a alegada relação entre Cary Grant, considerado um dos melhores actores da história do cinema americano, e Randolph Scott, que ficou conhecido por protagonizar westerns realizados por Budd Boetticher no fim dos anos 50. Mas traz nova interpretação sobre o assunto, recorrendo para isso a fotografias da época, onde os dois actores aparecem unidos pela extremosa intimidade que em público sempre negaram.

Brett L. Abrams, que trabalha como arquivista na National Archives and Records Administration, defende uma tese controversa: entre 1917 e 1941, os estúdios de Hollywood e os media que faziam a cobertura do que por lá se passava veicularam propositadamente imagens daquilo a que o autor chama "boémios". A saber: "homossexuais, adúlteros, homens efeminados e mulheres másculas, ora reais, ora de ficção". Com que objectivo? "Atrair o público e forjar a mística de Hollywood enquanto fábrica de sonhos e o sítio mais vigoroso, libertino e extravagante de todo o país".
(...)
No meio das fotos, Brett L. Abrams encontrou uma que lhe chamou a atenção e que, no seu entender, faz prova da ligação romântica entre Grant e Scott. Ao fim da tarde, no pátio da casa de praia, com o oceano Pacífico em fundo, Scott acende com a ponta do seu cigarro o cigarro que está preso aos lábios de Grant. Uma foto em contraluz, como a de dois apaixonados num momento de grande intimidade. "A imagem de dois homens a fumar juntos era, à época, muito frequente, mas apenas em bares, saloons ou outros áreas 'masculinas', nunca num espaço considerado romântico e com a interacção desses dois homens isolada do que está à volta", diz o autor. "Um homem raramente acendia o cigarro a outro e de certeza que não tomaria a iniciativa de o fazer se o cigarro estivesse a pender da boca do outro". Isso, conclui Brett L. Abrams, era normal nos anos 20 na publicidade aos cigarros, mas apenas entre homem e mulher e na tentativa de criar um ambiente romântico entre os dois.
[no "Público", hoje; versão completa aqui]