terça-feira, 16 de agosto de 2011

"Vindos não sei de que cama"

«Creio que os centros culturais em velocidade de cruzeiro – Culturgest, Maria Matos, Centro Cultural de Belém... – andam a produzir todos o mesmo espectáculo teatral, que acredita numa coisa em que não acredito de todo: a especificidade teatral, a autoria da cena sobre a autoria literária. [...] [O] teatro que me interessa [...] é a literatura. [...] Numa sociedade dominada pela superficialidade da imagem, nas artes performativas, o que está a ser feito é a criação de imagens, acompanhadas de vagos lugares-comuns sobre a filosofia contemporânea. Três frases de Agamben, meia de Zizek, duas de Didi-Huberman mais três notícias de jornal e uma imagem forte e fica o espectáculo feito. Sou bastante contra.»
[...]
«Hoje assiste-se em Portugal à mesma coisa [lógica do Festival de Outono, criado em França em 1972, que passou a concentrar apresentações teatrais numa só época do ano, levando o público a consumir teatro em massa de uma só vez, e não ao longo do ano]: quem não vai ao cinema o ano inteiro pode ir ao Indie, ao Doc. "Foste ao Doc? Sim, vi seis filmes!" Ou seja, armazenou para o seu bem-estar económico seis filmes sem ir ao cinema nas outras alturas do ano. São ritos de iniciação à sociedade promovidos por estas entidades. E isto cria um público. Tem a ver com aquela figura a meu ver tremenda que é o programador, intermediários vindos não sei de que cama que aparecem para dizer à pessoas [o que ver]. Até aqui eram os artistas que faziam isso.»
Jorge Silva Melo, Público, 14 de Agosto