Portugal, 1992 – poderia ter sido o título da primeira edição da Gala Abraço, que decorreu esta semana no Teatro São Luiz, em Lisboa (1 de Dezembro, Dia Mundial da Luta Contra a Sida). Ao fim de 19 anos de existência, a gala mudou de figura. Chamou-se dos Travestis desde o início e agora passou a Abraço, do nome da associação de apoio a seropositivos a favor da qual revertem as receitas de bilheteira. Já não é organizada pelo seu mentor, Carlos Castro, falecido em Janeiro, tem menos travestis e mais artistas para o grande público, mas continua a infantilizar quem assiste.
Desta vez, os apresentadores foram José Carlos Malato e Margarida Pinto Correia, acompanhados por actores e actrizes de telenovelas. Apareciam em palco depois das actuações musicais (cheias de problemas de som) e tentavam explicar às pessoas, de forma paternalista, como se previne a transmissão do VIH/sida.
O mais notável foi o tom heterossexual que se procurou passar. Veja-se a dupla de apresentadores (homem/mulher), a dupla de bailarinos que abriu a gala (homem/mulher), as duplas de actores convidados (homem/mulher) e os conselhos que deram, visando casais heterossexuais. Se a organização soubesse o que anda a fazer, saberia que é disparatado insistir, como se fazia há sete ou oito anos, nas pessoas heterossexuais como grupo de risco (a expressão é legítima, voltou a ser utilizada pelas autoridades de saúde norte-americanas, como se lê aqui nas páginas 20, 21, 22 e 46).
Diz o Programa Nacional de Prevenção e Controlo da Infecção VIH/Sida 2011-2015, apresentado esta semana pelo Ministério da Saúde:
“Em Portugal, pese embora o número absoluto de casos ser superior como consequência da transmissão heterossexual, é nas chamadas populações vulneráveis que se concentra o risco mais elevado de infecção e é através delas que a infecção tende a ser transmitida. Os homens que fazem sexo com homens constituem actualmente a população onde se regista um aumento do número de novas infecções embora a verdadeira dimensão da epidemia neste grupo necessite de ser determinada. Fenómenos como o estigma, a discriminação e a homofobia, associados a uma desvalorização do risco constituem barreiras para recorrer aos serviços de saúde e podem dificultar a reversão da presente situação.”
A Gala quis inovar-se como espectáculo, mas voltou atrás no tipo de mensagem transmitida, o que além de errado é uma assunção de incompetência: poucos resultados teve o trabalho de prevenção dos últimos 20 anos. Por este andar, vamos ter de aturar a gala por muitos mais anos.
(fotografia: Joaquim Gromicho/Sapo Fama)