quinta-feira, 3 de maio de 2012

O futuro do jornalismo

O jornalismo navega em águas incertas, escreveu Miguel Gaspar no blogue Público Lab. O director-adjunto do jornal Público questiona:
«O que é o jornalismo na idade em que a notícia se tornou uma mercadoria transaccionada a custo zero na televisão ou na Internet?  [...] Numa sociedade em que temos acesso a cada vez mais informação sabemos cada vez mais coisas? Talvez não.»
Penso que isto pode ser dito de outra forma: o jornalismo está ferido de morte. Falo de Portugal: o sistema económico desregulado que vigora fez descer a qualidade do jornalismo, criou desemprego e  afastou o público da imprensa. 

Um só empresário, ou dois ou três grandes grupos económicos com origens obscuras ou geografias incógnitas, podem hoje deter dezenas de órgãos, o que cria monopólios de conteúdos, com redacções únicas e mínimas a produzir para várias plataformas. Isto permite aos patrões poupar nos custos fixos, o que em tempos de crise até pode ter alguma justificação, mas impede o pluralismo e gera desemprego, ao mesmo tempo que reduz vendas e audiências e põe em perigo a saúde das empresas.

Com os recentes despedimentos em massa, as principais redacções portuguesas ficaram privadas dos jornalistas mais experimentados e mais difíceis de manipular. Estão reduzidas a equipas de jovens explorados cuja cultura profissional é necessariamente incipiente. São jornalistas incapazes, pela falta de tempo, de se especializarem em temas, de aprofundar contactos com fontes, de fazer leituras, de entrevistar pessoalmente, de conhecer realidades.

Os jornalistas são hoje preenchedores de formatos gráficos. Escrevem textos para que eles encaixem em páginas de jornal ou de Internet previamente desenhadas. Não há criatividade, humanismo ou rua, apenas conteúdos produzidos sob as luzes artificiais de escritórios a que se chama redacções.

Os jornalistas passam os dias fechados nas redacções frente a computadores nos quais recebem emails de agências de comunicação (grupos de pressão que empregam técnicos de marketing e publicidade cuja função é a de divulgar, junto dos jornalistas, informações positivas sobre os seus clientes).

Os jornalistas já não criam notícias que incomodem, não fazem reportagens sobre assuntos relevantes, não entrevistam com acutilância. Paira o medo do processo em tribunal, do despedimento, do ostracismo. À parte as excepções, que sempre as há , os jornalistas obedecem a cadeias de comando cada vez mais autoritárias, porque invisíveis e sem rosto.

Até há pouco tempo, era possível publicar declarações não-alinhadas com o pensamento único e fotografias de pessoas consideradas feias ou pobres. Isso praticamente desapareceu da imprensa portuguesa. A censura por parte das chefias sofisticou-se e tem vindo a ser incorporada pelos jornalistas, cada vez mais precários na relação de trabalho e por isso incapazes de conflituar abertamente.O feio, o incómodo e o ideológico são extirpados com a justificação de que não encaixam no "espírito" da publicação.

Da mesma maneira que a República já não é administrada pelo Governo eleito, antes por "mercados" e credores, também nas redacções os editores e os directores editoriais têm um peso cada vez mais pequeno. Eles próprios, que deveriam orientar com independência o trabalho dos jornalistas, são obrigados a responder em termos editoriais aos departamentos de marketing das empresas, quando não directamente às administrações, o que põe em causa a independência das mensagens jornalísticas que chegam ao público (o que o público não sabe).

No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa vale a pena dizer aquilo em que acredito: um jornalista é um profissional da informação que recolhe e trata dados sobre factos e acontecimentos e questiona os poderes públicos e privados, em nome dos cidadãos, em temas que digam respeito à sociedade em geral ou a grupos minoritários, procurando obter respostas para dúvidas legítimas.

A conclusão não é, por isso, de desânimo. Creio que a Internet e as redes sociais são a alternativa aos média mainstream. Libertar o jornalismo do actual modelo de negócio que o asfixia é o futuro do jornalismo. Cabe-nos inventá-lo já.