[Artigo de opinião do jornalista José António Cerejo, publicado no jornal "Público" de 23 de Junho de 2012]

António
Costa e a liberdade de informação
«O
país assistiu em Março a uma bem montada operação de marketing político
com o objectivo de lançar a corrida de António Costa a São Bento. O
pretexto escolhido pelo presidente da Câmara de Lisboa para apontar ao
mundo o destino com que sonha foi a publicação de uma colectânea de
discursos intitulada "Caminho aberto". Explicou então, nas entrevistas e
declarações que encheram os media, que era um homem de acção, com gosto
pelas tarefas executivas, e que o livro servia para "prestar contas"
aos cidadãos sobre o que tem andado a fazer. Como jornalista
que acompanha regularmente a actividade da Câmara de Lisboa, a minha
primeira reacção foi de satisfação. António Costa falava em prestar
contas e isso poderia significar o reconhecimento, embora tardio, de que
devia explicações, muitas explicações, em primeiro lugar a quem vive e
trabalha em Lisboa, sobre as únicas funções executivas que desempenha
presentemente. Os meses que se seguiram mostraram, porém, que não era
disso que se tratava. Na Câmara de Lisboa nada mudou e António
Costa permanece fiel ao seu entendimento de sempre: a câmara é dele, e é
ele, consoante os seus interesses e estratégias pessoais, quem decide o
que diz, onde, quando e a quem, sobre aquilo que faz no lugar para que
foi eleito. Totalmente fora do seu quadro mental está a natureza das
funções públicas que desempenha e aquilo a que a Constituição e as leis
da República o obrigam, precisamente em matéria de prestação de contas.
Não é daqui a vinte anos, nas suas memórias, ou quando lhe der jeito,
nas entrevistas e livros que congeminar, que tem de as prestar. É agora,
hoje e todos os dias, que a lei lhe impõe uma conduta diametralmente
oposta àquela que tem marcado os seus mandatos na Câmara de Lisboa.
A prestação de contas devida ao povo pelos titulares de cargos públicos
passa em grande parte pela intermediação dos jornalistas e pelo
escrupuloso cumprimento das normas legais que consagram o livre acesso,
por parte destes, à informação existente na posse daqueles. Em concreto,
o Estatuto dos Jornalistas (Lei n.º 1/99) estabelece que "o direito de
acesso às fontes de informação é assegurado aos jornalistas" por toda a
espécie de entidades públicas, incluindo as autarquias, e que "a
liberdade de expressão e criação dos jornalistas não está sujeita a
impedimentos ou discriminações". Na Câmara de Lisboa, todavia, a lei é
letra-morta e há cinco anos que António Costa passa alegremente por cima
dela, negando o acesso dos jornalistas a toda e qualquer informação que
lhe pareça prejudicial ao seu "caminho". Nos computadores de muitos
deles acumulam-se centenas de perguntas sem resposta dirigidas aos
porta-vozes da câmara, ao gabinete do presidente e a alguns vereadores.
Perguntas sobre factos concretos, não sobre opiniões, perguntas sobre
actos ou omissões dos serviços do município, sobre decisões camarárias -
pedidos de esclarecimento essenciais para que os cidadãos possam ser
informados com rigor. Perguntas que esperam respostas semanas e meses a
fio e sem as quais, por vezes, as notícias têm de ficar na gaveta,
tornando-se o silêncio da câmara um imperdoável impedimento à liberdade
de informação. Mas não é só a gestão ilegal do silêncio que
caracteriza a política de comunicação de António Costa, ela passa também
pela discriminação de alguns jornalistas e meios de comunicação em
relação a outros. E até por inomináveis manobras em que as informações
pedidas por uns são entregues a terceiros, que supostamente tratarão do
assunto de uma forma mais benigna para a autarquia. À imagem de
muitos outros políticos, em particular autarcas como Rui Rio, e
seguindo a cartilha de João Soares, um dos seus antecessores, o
presidente da Câmara de Lisboa constituiu-se há muito como um inimigo da
liberdade de informação. E como já se viu noutros casos, fê-lo com a
conivência de muitos jornalistas e da entidade reguladora do sector.
Sendo a lei aquilo que é, fantástica na proclamação de princípios, mas
inconsequente no que respeita à sua aplicação, impõe-se que as normas do
Estatuto do Jornalista quanto ao acesso às fontes oficiais de
informação sejam mais do que isso - meros princípios. Impõe-se que a lei
seja revista e diga expressamente que os titulares de cargos públicos
têm de responder às perguntas dos jornalistas sobre factos concretos, ou
de fundamentar por escrito as razões da sua recusa em responder. E
impõe-se que a violação da lei não possa ficar impune.»