Quando é que o Chiado se tornou
uma zona chique?
Não foi de certeza no
tempo de D. Afonso Henriques, quando a zona era conhecida pelo esclarecedor
nome de Pedreira. A Rua Nova do Almada só aparece na segunda metade do século
XVII. A Rua do Carmo é criada depois do Terramoto. “É uma área muito bem
posicionada, entre a cidade velha da cerca fernandina e a nova cidade que
nasceu fora das muralhas com o século XVI”, explica a historiadora Maria Calado
Gomes. “Numa cidade que vive muito de bairros e bairrismo, o Chiado conseguiu
conjugar uma identidade de bairro com uma posição de vanguarda: é o sítio onde
vemos a cidade e o estrangeiro”, acrescenta a historiadora.
Mas como é que o
ambiente cosmopolita se estabeleceu?
Com a restauração da independência, em 1640,
é para o Chiado que confluem os lisboetas à procura de novidades, sobretudo
através dos primeiros jornais portugueses: Gazeta e Mercúrio Português. No
livro Chiado, o historiador Joaquim Parro descreve com pompa aqueles tempos: “Estilo barroco na arte, cortesãos ataviados,
pedantes de maneiras e no traje.” Assim se
foi criando o mito. No século XIX, o Conservatório leva os intelectuais
para a zona, o mesmo faz a instalação da Biblioteca Nacional no Convento de São
Francisco (actual Museu do Chiado) e a inauguração do Teatro Dona Amélia
(depois Teatro da República, hoje Teatro São Luiz). No século XX, aparece a
Faculdade de Belas-Artes e as vanguardas estéticas nascem e circulam no Chiado:
Futurismo, Modernismo, Surrealismo.
É verdade que o Chiado deve o nome a um
taberneiro?
É uma velha discussão.
Oficialmente, o bairro foi baptizado em referência ao poeta António Ribeiro
Chiado, que desde 1925 tem uma estátua no Largo do Chiado. O famoso
olisipógrafo Norberto de Araújo tinha outra versão: Chiado seria, sim, a
alcunha do taberneiro Gaspar Dias, com estabelecimento junto aos actuais
Armazéns do Chiado – alcunha que depois se generalizou.
Qual é o café mais
antigo do Chiado?
Ainda em funcionamento, é o Tavares, aberto desde 1823 e
herdeiro de uma velha taberna que existia na Rua da Misericórdia desde 1779,
escreve o jornalista Manuel Maria Múrias em Chiado: Do Século XII ao 25 de
Abril. E acrescenta: o Tavares “só tem o aspecto espelhado, dourado e
alcatifado depois de em 1861 um tal Vicente Caldeira, restaurador galego
imigrado em Lisboa, o ter transformado
em restaurante de luxo.” A presença do grupo dos Vencidos da Vida (Eça de
Queirós, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, etc.) tornou a casa eterna.
Há algum estilo arquitectónico característico
do Chiado?
“A base conventual ainda hoje é visível, porque o Chiado foi uma
zona de conventos durante séculos”, observa Maria Calado Gomes. O historiador
José-Augusto França chamava-lhe “gosto fin de siècle muito inclinado
para o neo-românico”. Isto porque
algumas das construções mais famosas do Chiado datavam do fim do século XIX e
inícios do XX: o cinema Chiado Terrasse (do arquitecto Tertuliano de Lacerda
Marques, inaugurado em 1908 na Rua António Maria Cardoso, no que é hoje uma
agência da Caixa Geral de Depósitos) ou os Grandes Armazéns Grandella (de
George Demay, terminados em 1914, foco do grande incêndio de 25 de Agosto de
1988). Os actuais Armazéns do Chiado, projectados por Siza Vieira, seguem a
linha arquitectónica anterior.
Quanto
custa uma casa no Chiado?
A renda média
de um T1 é de 750 euros, mas pode ir até aos dois mil euros mensais. “É a zona mais cara da cidade”, diz Luís
Pereirinha, da agência imobiliária ERA Chiado. Em termos de comércio, a
realidade é igual. Um relatório da consultora Cushman & Wakefield, relativo
a 2012/2013, apresenta o Chiado como a zona mais cara de Portugal para arrendar
loja ou escritório, “porque a procura se resume na prática à Rua Garrett e a
oferta é escassa”. Os preços rondam os 90 euros por mês, por metro quadrado.
Só
mais duas curiosidades: o Pingo Doce começou mesmo no Chiado…?
O próprio Pingo Doce, não, mas os
Estabelecimentos Jerónimo Martins, que dariam origem à cadeia de supermercados,
sim. O galego Jerónimo Martins instala a sua “tenda” na Rua Ivens em 1792 e
poucos anos depois muda-se para a Rua Garrett. Vendia enchidos, trigo, milho,
velas, vinho, vassouras, loiças, material de escritório. No início do século
XX, a empresa foi comprada pela família Soares dos Santos, actual proprietária.
Foi uma das lojas emblemáticas do Chiado até 1988.
…e o velho Tribunal da
Boa-Hora – vai ser um hotel?
Já não. O
tribunal foi transferido em 2009 para o Campus da Justiça, no Parque das
Nações, e nessa altura a Câmara de Lisboa, proprietária do imóvel, via com bons
olhos a transformação em hotel. Em Janeiro último, a ministra da Justiça
anunciou que a posse do antigo convento passaria da Câmara para o ministério e
nele se vai instalar o Centro de Estudos Judiciários e o futuro Museu
Judiciário. “Mas só talvez em 2014”, diz Anabela Mendes, assessora da ministra
da Justiça. Para já “está a ser feito um levantamento do acervo histórico que
existe nos tribunais de todo o país para se decidir qual o conteúdo do museu.”
[texto publicado na Time Out Lisboa de 13 de Março de 2013 , pp. 16 e 17]