terça-feira, 20 de agosto de 2013

Perguntas & Respostas Sobre o Chiado


Quando é que o Chiado se tornou uma zona chique?
Não foi de certeza no tempo de D. Afonso Henriques, quando a zona era conhecida pelo esclarecedor nome de Pedreira. A Rua Nova do Almada só aparece na segunda metade do século XVII. A Rua do Carmo é criada depois do Terramoto. “É uma área muito bem posicionada, entre a cidade velha da cerca fernandina e a nova cidade que nasceu fora das muralhas com o século XVI”, explica a historiadora Maria Calado Gomes. “Numa cidade que vive muito de bairros e bairrismo, o Chiado conseguiu conjugar uma identidade de bairro com uma posição de vanguarda: é o sítio onde vemos a cidade e o estrangeiro”, acrescenta a historiadora.

Mas como é que o ambiente cosmopolita se estabeleceu?
Com a restauração da independência, em 1640, é para o Chiado que confluem os lisboetas à procura de novidades, sobretudo através dos primeiros jornais portugueses: Gazeta e Mercúrio Português. No livro Chiado, o historiador Joaquim Parro descreve com pompa aqueles tempos:  “Estilo barroco na arte, cortesãos ataviados, pedantes de maneiras e no traje.” Assim se  foi criando o mito. No século XIX, o Conservatório leva os intelectuais para a zona, o mesmo faz a instalação da Biblioteca Nacional no Convento de São Francisco (actual Museu do Chiado) e a inauguração do Teatro Dona Amélia (depois Teatro da República, hoje Teatro São Luiz). No século XX, aparece a Faculdade de Belas-Artes e as vanguardas estéticas nascem e circulam no Chiado: Futurismo, Modernismo, Surrealismo.

É verdade que o Chiado deve o nome a um taberneiro?
É uma velha discussão. Oficialmente, o bairro foi baptizado em referência ao poeta António Ribeiro Chiado, que desde 1925 tem uma estátua no Largo do Chiado. O famoso olisipógrafo Norberto de Araújo tinha outra versão: Chiado seria, sim, a alcunha do taberneiro Gaspar Dias, com estabelecimento junto aos actuais Armazéns do Chiado – alcunha que depois se generalizou.

Qual é o café mais antigo do Chiado?
Ainda em funcionamento, é o Tavares, aberto desde 1823 e herdeiro de uma velha taberna que existia na Rua da Misericórdia desde 1779, escreve o jornalista Manuel Maria Múrias em Chiado: Do Século XII ao 25 de Abril. E acrescenta: o Tavares “só tem o aspecto espelhado, dourado e alcatifado depois de em 1861 um tal Vicente Caldeira, restaurador galego imigrado em Lisboa,  o ter transformado em restaurante de luxo.” A presença do grupo dos Vencidos da Vida (Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, etc.) tornou a casa eterna.

Há algum estilo arquitectónico característico do Chiado?
“A base conventual ainda hoje é visível, porque o Chiado foi uma zona de conventos durante séculos”, observa Maria Calado Gomes. O historiador José-Augusto França chamava-lhe “gosto fin de siècle muito  inclinado  para  o neo-românico”. Isto porque algumas das construções mais famosas do Chiado datavam do fim do século XIX e inícios do XX: o cinema Chiado Terrasse (do arquitecto Tertuliano de Lacerda Marques, inaugurado em 1908 na Rua António Maria Cardoso, no que é hoje uma agência da Caixa Geral de Depósitos) ou os Grandes Armazéns Grandella (de George Demay, terminados em 1914, foco do grande incêndio de 25 de Agosto de 1988). Os actuais Armazéns do Chiado, projectados por Siza Vieira, seguem a linha arquitectónica anterior.

Quanto custa uma casa no Chiado?
A renda média de um T1 é de 750 euros, mas pode ir até aos dois mil euros mensais.  “É a zona mais cara da cidade”, diz Luís Pereirinha, da agência imobiliária ERA Chiado. Em termos de comércio, a realidade é igual. Um relatório da consultora Cushman & Wakefield, relativo a 2012/2013, apresenta o Chiado como a zona mais cara de Portugal para arrendar loja ou escritório, “porque a procura se resume na prática à Rua Garrett e a oferta é escassa”. Os preços rondam os 90 euros por mês, por metro quadrado.

Só mais duas curiosidades: o Pingo Doce começou mesmo no Chiado…? 
O próprio Pingo Doce, não, mas os Estabelecimentos Jerónimo Martins, que dariam origem à cadeia de supermercados, sim. O galego Jerónimo Martins instala a sua “tenda” na Rua Ivens em 1792 e poucos anos depois muda-se para a Rua Garrett. Vendia enchidos, trigo, milho, velas, vinho, vassouras, loiças, material de escritório. No início do século XX, a empresa foi comprada pela família Soares dos Santos, actual proprietária. Foi uma das lojas emblemáticas do Chiado até 1988.

…e o velho Tribunal da Boa-Hora – vai ser um hotel?
Já não. O tribunal foi transferido em 2009 para o Campus da Justiça, no Parque das Nações, e nessa altura a Câmara de Lisboa, proprietária do imóvel, via com bons olhos a transformação em hotel. Em Janeiro último, a ministra da Justiça anunciou que a posse do antigo convento passaria da Câmara para o ministério e nele se vai instalar o Centro de Estudos Judiciários e o futuro Museu Judiciário. “Mas só talvez em 2014”, diz Anabela Mendes, assessora da ministra da Justiça. Para já “está a ser feito um levantamento do acervo histórico que existe nos tribunais de todo o país para se decidir qual o conteúdo do museu.”

[texto publicado na Time Out Lisboa de 13 de Março de 2013 , pp. 16 e 17]