Estudar
através do computador é a nova moda vinda dos EUA. Está atrair
adultos já formados e com emprego. Chamam-se Massive Online Open
Courses (MOOC). A diferença em relação aos velhos cursos à
distância está num pormenor: são gratuitos. Mas o certo é que
alguém tem de pagar a conta. Relato de um jornalista na primeira
pessoa. Por Bruno Horta
Nos
últimos tempos tive aulas com jornalistas do El Mundo, do New York
Times, do site ProPublica e da NPR (rádio pública norte-americana).
Eu e mais uns milhares de pessoas. Aprendemos as noções básicas do
jornalismo de dados, uma nova técnica de investigação que tem
vindo a ganhar protagonismo nas redacções. Consiste, resumidamente,
em encontrar notícias em relatórios e tabelas e apresentar o
resultado através de um grafismo apelativo, em papel ou online.
Contactar com alguns dos melhores do mundo e falar directamente com
eles foi uma oportunidade única, sobretudo para quem como eu exerce
a profissão em Portugal e sente estar longe das inovações na área.
Acontece que os instrutores não me ficaram a conhecer. Nem eu a
eles.
Recorri a uma nova forma de ensino à distância: Massive Online Open Courses (MOOC), ou cursos livres online em larga escala. Descobri-os em Novembro de 2012 e até então nunca tinha ouvido falar de tal coisa. Até agora, completei dois MOOC e envolvi-me num terceiro que deixei a meio. Todos na área do jornalismo.
Um MOOC pode durar cinco ou seis semanas e cada uma delas costuma corresponder a um módulo da matéria. No computador e no telemóvel vejo vídeos com palestras dos instrutores e leio textos recomendados. As aulas, chamemos-lhes assim, não têm hora marcada, são assíncronas, frequento-as quando quero. Aproveito os fins-de-semana, que é quando tenho mais tempo. A cada oito dias faço um teste de escolha múltipla ou um exercício prático proposto. Passa-se tudo em ambiente digital, por escrito, à distância e em inglês. Sou avaliado pelos meus colegas ou pelos instrutores. No fim do curso, posso pedir um certificado de frequência, mas para isso tenho de pagar (30 dólares, cerca de 23 euros, em dois casos). De resto, é tudo gratuito. Ou quase.
Os MOOC são obviamente revolucionários e começam agora a espalhar-se por todo o mundo depois de em 2012 e 2013 terem estado sob os holofotes da imprensa americana. Alguns especialistas têm uma fé inabalável de que nada será como dantes na área da educação. Mas perante este entusiasmo é preciso falar dos contornos pouco claros em que o negócio pode assentar.
Recorri a uma nova forma de ensino à distância: Massive Online Open Courses (MOOC), ou cursos livres online em larga escala. Descobri-os em Novembro de 2012 e até então nunca tinha ouvido falar de tal coisa. Até agora, completei dois MOOC e envolvi-me num terceiro que deixei a meio. Todos na área do jornalismo.
Um MOOC pode durar cinco ou seis semanas e cada uma delas costuma corresponder a um módulo da matéria. No computador e no telemóvel vejo vídeos com palestras dos instrutores e leio textos recomendados. As aulas, chamemos-lhes assim, não têm hora marcada, são assíncronas, frequento-as quando quero. Aproveito os fins-de-semana, que é quando tenho mais tempo. A cada oito dias faço um teste de escolha múltipla ou um exercício prático proposto. Passa-se tudo em ambiente digital, por escrito, à distância e em inglês. Sou avaliado pelos meus colegas ou pelos instrutores. No fim do curso, posso pedir um certificado de frequência, mas para isso tenho de pagar (30 dólares, cerca de 23 euros, em dois casos). De resto, é tudo gratuito. Ou quase.
Os MOOC são obviamente revolucionários e começam agora a espalhar-se por todo o mundo depois de em 2012 e 2013 terem estado sob os holofotes da imprensa americana. Alguns especialistas têm uma fé inabalável de que nada será como dantes na área da educação. Mas perante este entusiasmo é preciso falar dos contornos pouco claros em que o negócio pode assentar.
Guiado
por uma grande curiosidade sobre o tema, a mesma que agora me leva a
escrever este texto, consultei na Internet, durante o Verão passado,
o programa de uma conferência internacional sobre educação que
iria decorrer em fins de Outubro em Doha, no Qatar. Procurei
referências aos MOOC. E lá estavam. Um dos debates tinha por título
“Podem os MOOC democratizar o acesso ao ensino superior?”.
A
World Innovation Summit for Education (WISE), assim se chama a
conferência, é promovida desde 2009 pela Fundação Qatar, com o
apoio da UNESCO. Há quem lhe chame “Davos da educação”. Tal
como no Fórum Mundial Económico, também aqui se juntam as
personagens que contam. Neste caso, as do mundo da educação. George
Siemens, que há cinco anos inventou os MOOC, esteve por lá e falou
comigo.
As
opiniões sobre os MOOC têm vindo a extremar-se. Houve quem dissesse
durante a conferência que são uma nova forma de colonização, por
estarem dependentes das temáticas e instituições norte-americanas.
E houve quem, pelo contrário, defendesse que esta novidade está
para o ensino como os computadores tablet para a distribuição de
conteúdos: conhecimento portátil e de fácil interacção.
“Os MOOC configuram uma mudança de poder e uma reorganização das relações de aprendizagem”, explicou-me George Siemens, professor na Universidade do Athabasca, no Canadá. “Sempre que surgem novas estruturas de poder, aparecem resistências por parte de quem sente o seu lugar ameaçado. Os MOOC são também ministrados por empresas privadas e muitos académicos estão preocupados, e bem, com o papel das universidades públicas. As universidades devem participar na discussão deste tema”, sob pena de ficarem para trás.
O meu primeiro MOOC começou em Outubro de 2012 e chamava-se "Introdução à Infografia e Visualização de Dados". Era promovido pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, da Universidade do Texas, e tinha como professor Alberto Cairo, jornalista espanhol que depois de ter trabalhado no El Mundo e na revista brasileira Época se tornou um dos maiores especialistas mundiais em infografia e jornalismo de dados. Fiz o curso até ao fim, durante seis semanas, juntamente com dois mil estudantes de 109 países (dados oficiais).
Acho que soube da existência do curso através da newsletter que o Centro Knight costuma enviar por email, mas já não tenho a certeza. Terá sido o primeiro MOOC sobre jornalismo alguma vez realizado.
Inscrevi-me na plataforma online que a instituição criou para o efeito e participei no curso em casa, através do meu computador portátil: às vezes no sofá, outras à secretária e outras, até, na cama. Um esquema em árvore permitia-me saber a todo o tempo que módulo estava a fazer e quantos faltavam. Os vídeos duravam cerca de dez minutos cada e eram muito simples, com uma voz off sobre imagens criadas em Powerpoint. Através de fóruns online, que não utilizei tanto quanto deveria, troquei ideias com colegas de todo o mundo. Dei opinião sobre os exercícios dos outros e recebi opiniões sobre os exercícios que fiz.
Se acho que aprendi alguma coisa? Sim, mas não me tornei especialista em jornalismo de dados, porque não era esse o objectivo. Fiquei com uma visão geral sobre o assunto. Fui um autodidacta que encontrou a matéria já organizada.
“Os MOOC configuram uma mudança de poder e uma reorganização das relações de aprendizagem”, explicou-me George Siemens, professor na Universidade do Athabasca, no Canadá. “Sempre que surgem novas estruturas de poder, aparecem resistências por parte de quem sente o seu lugar ameaçado. Os MOOC são também ministrados por empresas privadas e muitos académicos estão preocupados, e bem, com o papel das universidades públicas. As universidades devem participar na discussão deste tema”, sob pena de ficarem para trás.
O meu primeiro MOOC começou em Outubro de 2012 e chamava-se "Introdução à Infografia e Visualização de Dados". Era promovido pelo Centro Knight para o Jornalismo nas Américas, da Universidade do Texas, e tinha como professor Alberto Cairo, jornalista espanhol que depois de ter trabalhado no El Mundo e na revista brasileira Época se tornou um dos maiores especialistas mundiais em infografia e jornalismo de dados. Fiz o curso até ao fim, durante seis semanas, juntamente com dois mil estudantes de 109 países (dados oficiais).
Acho que soube da existência do curso através da newsletter que o Centro Knight costuma enviar por email, mas já não tenho a certeza. Terá sido o primeiro MOOC sobre jornalismo alguma vez realizado.
Inscrevi-me na plataforma online que a instituição criou para o efeito e participei no curso em casa, através do meu computador portátil: às vezes no sofá, outras à secretária e outras, até, na cama. Um esquema em árvore permitia-me saber a todo o tempo que módulo estava a fazer e quantos faltavam. Os vídeos duravam cerca de dez minutos cada e eram muito simples, com uma voz off sobre imagens criadas em Powerpoint. Através de fóruns online, que não utilizei tanto quanto deveria, troquei ideias com colegas de todo o mundo. Dei opinião sobre os exercícios dos outros e recebi opiniões sobre os exercícios que fiz.
Se acho que aprendi alguma coisa? Sim, mas não me tornei especialista em jornalismo de dados, porque não era esse o objectivo. Fiquei com uma visão geral sobre o assunto. Fui um autodidacta que encontrou a matéria já organizada.
Meses
mais tarde, inscrevi-me num segundo MOOC do Centro Knight,
“Jornalismo de Dados: Noções Básicas”, que decorreu em Agosto
e Setembro de 2013 e terá tido 3700 participantes de 143 países. Na
primeira semana contei 11 portugueses: dois do Porto, um de Coimbra e
oito de Lisboa.
Derek Willis, jornalista e programador informático do New York Times; Sisi Wei, jornalista e designer gráfica que trabalhou no Washington Post e agora está no site sem fins lucrativos ProPublica, dedicado ao jornalismo de investigação; e Jeremy Bowers, da NPR, foram alguns dos meus instrutores. Note-se que em países anglo-saxónicos a noção de jornalismo é mais abrangente do que em Portugal e inclui tarefas técnicas e criativas como as de designer editorial.
No primeiro MOOC andei um pouco perdido, sem saber que tipo de participação e rotina deveria adoptar. Desta vez, apliquei-me a sério. Conversei mais vezes nos fóruns e descobri que aí se aprende bastante. A interacção com os instrutores é limitada, mas existe, enquanto a partilha entre colegas, essa sim, é frequente e fundamental.
Diariamente publiquei na minha conta do Twitter ideias soltas sobre este segundo MOOC. Há duas ou três coisas que então escrevi e agora recupero. Pareceu-me que cinco semanas de curso foi demasiado, porque no fim, à distância, sempre no mesmo registo, o entusiasmo já não era o mesmo. Gostei de ver que alguns dos textos recomendados eram de blogues, o que significa que os autores canónicos têm protagonismo limitado. Não gostei que muitos dos exemplos dados se baseassem exclusivamente na realidade mediática e cultural dos EUA. E uma vez anotei: “Instrutores, em geral, muito bons. Ao contrário do académico-tipo português, estes partilham.”
Quantas pessoas terão chegado ao fim de ambos os cursos, não sei. A taxa de abandono nos MOOC costuma ser muito alta e os detractores sublinham esse facto. George Siemens disse-me que “é irrelevante” e deu-me um exemplo adaptado à realidade portuguesa. “Se vivesse no Porto e me inscrevesse numa faculdade em Lisboa teria de mudar de casa, pagar propinas, deixar a família e os amigos. Seria um grande investimento psicológico, social e económico. E falhar teria repercussões importantes. Ora, no sistema MOOC, a pessoa limita-se a carregar num botão. Desistir a meio não tem grandes implicações. Há quem faça apenas uma ou duas semanas do curso e depois saia.”
Os MOOC são uma das componentes do e-learning (ensino à distância em plataformas digitais). Derivam da ideia nascida no fim dos anos 90 de que os recursos educativos utilizados pelos professores nas aulas poderiam ser partilhados de forma gratuita com a comunidade, através da Internet. George Siemens foi um dos teóricos desse movimento de “conectivismo”. Mais do que oferecer recursos, pretendia-se também que os utilizadores, milhares ao mesmo tempo e em rede, fabricassem o seu próprio conhecimento pela partilha de informações e ideias. Há quem fale em “conhecimento rizomático”, construído de forma horizontal e sem hierarquias.
Em 2008, George Simens e Stephen Downes criaram um curso livre através da Internet a que chamaram “Connectivism and Connective Knowledge”, que teve a participação de alguns estudantes da Universidade de Manitoba, no Canadá, e de centenas de pessoas exteriores à academia. Nascia o primeiro MOOC, então distribuído através da tecnologia RSS (agregador de conteúdos na Web). O termo MOOC terá sido cunhado naquele ano pelo próprio Siemens e pelo também professor universitário Dave Cormier.
“Quisemos tirar partido das potencialidades da Internet e criar conhecimento a partir da contribuição de todos”, diz-me Siemens. “Não gostávamos do modelo universitário em que o professor diz aos alunos o que é importante saber. Quisemos envolver os estudantes e trazê-los para este diálogo.”
Derek Willis, jornalista e programador informático do New York Times; Sisi Wei, jornalista e designer gráfica que trabalhou no Washington Post e agora está no site sem fins lucrativos ProPublica, dedicado ao jornalismo de investigação; e Jeremy Bowers, da NPR, foram alguns dos meus instrutores. Note-se que em países anglo-saxónicos a noção de jornalismo é mais abrangente do que em Portugal e inclui tarefas técnicas e criativas como as de designer editorial.
No primeiro MOOC andei um pouco perdido, sem saber que tipo de participação e rotina deveria adoptar. Desta vez, apliquei-me a sério. Conversei mais vezes nos fóruns e descobri que aí se aprende bastante. A interacção com os instrutores é limitada, mas existe, enquanto a partilha entre colegas, essa sim, é frequente e fundamental.
Diariamente publiquei na minha conta do Twitter ideias soltas sobre este segundo MOOC. Há duas ou três coisas que então escrevi e agora recupero. Pareceu-me que cinco semanas de curso foi demasiado, porque no fim, à distância, sempre no mesmo registo, o entusiasmo já não era o mesmo. Gostei de ver que alguns dos textos recomendados eram de blogues, o que significa que os autores canónicos têm protagonismo limitado. Não gostei que muitos dos exemplos dados se baseassem exclusivamente na realidade mediática e cultural dos EUA. E uma vez anotei: “Instrutores, em geral, muito bons. Ao contrário do académico-tipo português, estes partilham.”
Quantas pessoas terão chegado ao fim de ambos os cursos, não sei. A taxa de abandono nos MOOC costuma ser muito alta e os detractores sublinham esse facto. George Siemens disse-me que “é irrelevante” e deu-me um exemplo adaptado à realidade portuguesa. “Se vivesse no Porto e me inscrevesse numa faculdade em Lisboa teria de mudar de casa, pagar propinas, deixar a família e os amigos. Seria um grande investimento psicológico, social e económico. E falhar teria repercussões importantes. Ora, no sistema MOOC, a pessoa limita-se a carregar num botão. Desistir a meio não tem grandes implicações. Há quem faça apenas uma ou duas semanas do curso e depois saia.”
Os MOOC são uma das componentes do e-learning (ensino à distância em plataformas digitais). Derivam da ideia nascida no fim dos anos 90 de que os recursos educativos utilizados pelos professores nas aulas poderiam ser partilhados de forma gratuita com a comunidade, através da Internet. George Siemens foi um dos teóricos desse movimento de “conectivismo”. Mais do que oferecer recursos, pretendia-se também que os utilizadores, milhares ao mesmo tempo e em rede, fabricassem o seu próprio conhecimento pela partilha de informações e ideias. Há quem fale em “conhecimento rizomático”, construído de forma horizontal e sem hierarquias.
Em 2008, George Simens e Stephen Downes criaram um curso livre através da Internet a que chamaram “Connectivism and Connective Knowledge”, que teve a participação de alguns estudantes da Universidade de Manitoba, no Canadá, e de centenas de pessoas exteriores à academia. Nascia o primeiro MOOC, então distribuído através da tecnologia RSS (agregador de conteúdos na Web). O termo MOOC terá sido cunhado naquele ano pelo próprio Siemens e pelo também professor universitário Dave Cormier.
“Quisemos tirar partido das potencialidades da Internet e criar conhecimento a partir da contribuição de todos”, diz-me Siemens. “Não gostávamos do modelo universitário em que o professor diz aos alunos o que é importante saber. Quisemos envolver os estudantes e trazê-los para este diálogo.”
O
facto de quase todas as áreas das nossas vidas se terem tornado
dependentes do digital, prossegue Siemens, explica em grande medida o
êxito dos MOOC. “A educação não poderia ficar de fora. A
difusão das tecnologias, o crescimento do mercado dos telefones
inteligentes e das redes sociais, o facto de fazermos cada vez mais
coisas online, desde falar com os amigos até operações bancárias,
tudo isso levou a uma enorme difusão do conhecimento e à criação
de realidades descentralizadas.”
As universidades dos EUA agarraram de tal forma a oportunidade que os MOOC são hoje tidos como uma criação norte-americana. Por enquanto, existem três grandes fornecedores americanos: edX (lançado em Maio de 2012), Coursera (April de 2012) e Udacity (Outubro de 2012). Só o primeiro foi exclusivamente criado e ainda se mantém dentro de duas instituições do ensino superior: a Universidade de Harvard e o Massachusetts Institute of Technology (MIT).
O Centro Knight, através do qual fiz dois MOOC, é um dos muitos pequenos fornecedores. Em pesquisas na Internet percebi que no Brasil apareceu a plataforma Veduca, da Universidade de São Paulo; em Espanha surgiu a MiríadaX, patrocinada pelo Banco Santander – curiosamente, um dos patrocinadores da cimeira WISE, que tanto destaque deu aos MOOC; na Alemanha existe o Iversity, financiado pela Deutsche Telekom; e no âmbito da iniciativa Open Education, da Comissão Europeia, está agora a ser criada uma estratégia comum europeia para os MOOC.
Em Portugal, a Universidade Aberta criou o iMOOC, que já promoveu um curso sobre alterações climáticas, enquanto a Universidade do Porto, a Universidade do Minho e o Instituto Superior Técnico, por exemplo, estão a dar os primeiros passos neste universo.
Os cortes no financiamento público do ensino, devido à crise económica e financeira, têm aberto caminho a uma forma de ensino que reduza despesas. Por causa desse mesmo contexto, as universidades precisam de se internacionalizar, o que significa quase sempre captar estudantes de outros países. Os MOOC funcionam, pois, como uma estratégia de marketing, ao darem uma amostra do tipo de ensino praticado pelas instituições.
Por outro lado, resultam do rápido desenvolvimento tecnológico dos últimos anos. Há apenas uma década não havia Facebook ou YouTube, os telefones inteligentes não tinham sido inventados e a Internet não estava disseminada como agora. A ideia de uma comunidade do conhecimento em rede existia mas não era palpável.
Em Doha encontrei-me com Piotr Mitros, um polaco que fez o doutoramento em engenharia informática no MIT e é um dos fundadores do edX. Até agora, criaram 91 MOOC em diversas áreas do conhecimento e o número total de alunos inscritos ultrapassou um milhão. A equipa tem entre 50 a 100 pessoas que trabalham a tempo inteiro ou parcial.
Piotr Mitros, cujas explicações são tão exaustivas que durante 30 minutos de conversa só lhe consigo fazer três perguntas completas, diz que os MOOC do edX são um pouco diferentes daqueles em que participei. Dirigem-se ao grande público, mas também aos estudantes de Harvard, do MIT e de outras universidades que entretanto se associaram. Há disciplinas que já são ministradas via online e complementadas por aulas presenciais (“blended learning”).
“Não foi ainda construído um modelo definitivo de MOOC e não é desejável que isso aconteça para já”, diz Piotr Mitros. “É uma área muito recente, precisamos de inovar e a partir do momento em que se criar um modelo rígido perde-se a capacidade de inovação.”
Outros dois aspectos ainda indefinidos são os da qualidade e da certificação. Por um lado, é difícil saber quais as empresas ou instituições cujos MOOC são credíveis. Por outro, nem todos os fornecedores de MOOC dão um diploma aos alunos e os que o fazem estão apenas a emitir um papel que não é reconhecido oficialmente pelo sistema educativo de cada país.
As universidades dos EUA agarraram de tal forma a oportunidade que os MOOC são hoje tidos como uma criação norte-americana. Por enquanto, existem três grandes fornecedores americanos: edX (lançado em Maio de 2012), Coursera (April de 2012) e Udacity (Outubro de 2012). Só o primeiro foi exclusivamente criado e ainda se mantém dentro de duas instituições do ensino superior: a Universidade de Harvard e o Massachusetts Institute of Technology (MIT).
O Centro Knight, através do qual fiz dois MOOC, é um dos muitos pequenos fornecedores. Em pesquisas na Internet percebi que no Brasil apareceu a plataforma Veduca, da Universidade de São Paulo; em Espanha surgiu a MiríadaX, patrocinada pelo Banco Santander – curiosamente, um dos patrocinadores da cimeira WISE, que tanto destaque deu aos MOOC; na Alemanha existe o Iversity, financiado pela Deutsche Telekom; e no âmbito da iniciativa Open Education, da Comissão Europeia, está agora a ser criada uma estratégia comum europeia para os MOOC.
Em Portugal, a Universidade Aberta criou o iMOOC, que já promoveu um curso sobre alterações climáticas, enquanto a Universidade do Porto, a Universidade do Minho e o Instituto Superior Técnico, por exemplo, estão a dar os primeiros passos neste universo.
Os cortes no financiamento público do ensino, devido à crise económica e financeira, têm aberto caminho a uma forma de ensino que reduza despesas. Por causa desse mesmo contexto, as universidades precisam de se internacionalizar, o que significa quase sempre captar estudantes de outros países. Os MOOC funcionam, pois, como uma estratégia de marketing, ao darem uma amostra do tipo de ensino praticado pelas instituições.
Por outro lado, resultam do rápido desenvolvimento tecnológico dos últimos anos. Há apenas uma década não havia Facebook ou YouTube, os telefones inteligentes não tinham sido inventados e a Internet não estava disseminada como agora. A ideia de uma comunidade do conhecimento em rede existia mas não era palpável.
Em Doha encontrei-me com Piotr Mitros, um polaco que fez o doutoramento em engenharia informática no MIT e é um dos fundadores do edX. Até agora, criaram 91 MOOC em diversas áreas do conhecimento e o número total de alunos inscritos ultrapassou um milhão. A equipa tem entre 50 a 100 pessoas que trabalham a tempo inteiro ou parcial.
Piotr Mitros, cujas explicações são tão exaustivas que durante 30 minutos de conversa só lhe consigo fazer três perguntas completas, diz que os MOOC do edX são um pouco diferentes daqueles em que participei. Dirigem-se ao grande público, mas também aos estudantes de Harvard, do MIT e de outras universidades que entretanto se associaram. Há disciplinas que já são ministradas via online e complementadas por aulas presenciais (“blended learning”).
“Não foi ainda construído um modelo definitivo de MOOC e não é desejável que isso aconteça para já”, diz Piotr Mitros. “É uma área muito recente, precisamos de inovar e a partir do momento em que se criar um modelo rígido perde-se a capacidade de inovação.”
Outros dois aspectos ainda indefinidos são os da qualidade e da certificação. Por um lado, é difícil saber quais as empresas ou instituições cujos MOOC são credíveis. Por outro, nem todos os fornecedores de MOOC dão um diploma aos alunos e os que o fazem estão apenas a emitir um papel que não é reconhecido oficialmente pelo sistema educativo de cada país.
No
fundo, os actuais alunos são cobaias (é por isso que não pagam
nada, talvez devessem ser pagos) de um modelo em formação.
A questão do pagamento é, de resto, ainda nebulosa e a grande questão está em saber porque é as instituições dão estes cursos de graça. Piotr Mitros indica que os fornecedores de MOOC ganham dinheiro com a venda dos certificados finais. Num universo de milhares há sempre algumas centenas que os compram, ainda que sirvam para pouco. Além disso, acrescenta, as instituições de ensino superior nos EUA vendem os currículos dos seus estudantes a empresas e os MOOC constituem uma forma de recolha maciça de currículos. Mais: os MOOC são uma fonte de recolha de dados pessoais de milhões de pessoas. Dados depois vendidos a empresas de publicidade ou de estudos de mercado. É aquilo a que se chama “big data” (dados em larga escala) e que em rigor são também a fonte de receita do Google, do Facebook, do Skype e de outras empresas tecnológicas. “Vamos ter de encontrar um modelo que respeite os estudantes e a sua privacidade, ao mesmo tempo que permita gerar lucros”, diz-me Piotr Mitros.
Em Outubro do ano passado, comecei a fazer o MOOC “The Future of Storytelling”, produzido pela Universidade de Potsdam para a plataforma alemã Iversity. Teve 50 mil inscritos e terminou a 20 de Dezembro. Em termos visuais era bastante atraente: interface simples de utilizar e vídeos com estética cuidada. Vi alguns vídeos, fiz poucas leituras, e decidi que não iria até ao fim por falta de tempo.
Já este ano, recebi por email a informação sobre um novo MOOC, com início a 3 de Fevereiro, sobre como utilizar as redes sociais para fazer jornalismo. Talvez me inscreve só para espreitar. A era da abundância do conhecimento tem destas coisas.
[uma versão deste artigo, traduzida para o Acordo Ortográfico de 1990, foi publicada no suplemento "Quociente de Inteligência" do Diário de Notícias de 18 de Janeiro de 2014, pp. 6-8]
A questão do pagamento é, de resto, ainda nebulosa e a grande questão está em saber porque é as instituições dão estes cursos de graça. Piotr Mitros indica que os fornecedores de MOOC ganham dinheiro com a venda dos certificados finais. Num universo de milhares há sempre algumas centenas que os compram, ainda que sirvam para pouco. Além disso, acrescenta, as instituições de ensino superior nos EUA vendem os currículos dos seus estudantes a empresas e os MOOC constituem uma forma de recolha maciça de currículos. Mais: os MOOC são uma fonte de recolha de dados pessoais de milhões de pessoas. Dados depois vendidos a empresas de publicidade ou de estudos de mercado. É aquilo a que se chama “big data” (dados em larga escala) e que em rigor são também a fonte de receita do Google, do Facebook, do Skype e de outras empresas tecnológicas. “Vamos ter de encontrar um modelo que respeite os estudantes e a sua privacidade, ao mesmo tempo que permita gerar lucros”, diz-me Piotr Mitros.
Em Outubro do ano passado, comecei a fazer o MOOC “The Future of Storytelling”, produzido pela Universidade de Potsdam para a plataforma alemã Iversity. Teve 50 mil inscritos e terminou a 20 de Dezembro. Em termos visuais era bastante atraente: interface simples de utilizar e vídeos com estética cuidada. Vi alguns vídeos, fiz poucas leituras, e decidi que não iria até ao fim por falta de tempo.
Já este ano, recebi por email a informação sobre um novo MOOC, com início a 3 de Fevereiro, sobre como utilizar as redes sociais para fazer jornalismo. Talvez me inscreve só para espreitar. A era da abundância do conhecimento tem destas coisas.
[uma versão deste artigo, traduzida para o Acordo Ortográfico de 1990, foi publicada no suplemento "Quociente de Inteligência" do Diário de Notícias de 18 de Janeiro de 2014, pp. 6-8]