sábado, 2 de setembro de 2006

Conta, Peso e Media

Perfil de Sumner Redstone. Na revista Notícias Sábado (NS') de hoje.

O homem que acaba de despedir Tom Cruise é o dono de um império mediático. É dele a CBS, a MTV, a Paramount Pictures e uma das maiores fortunas do mundo: 7,7 mil milhões de dólares. Sumner Redstone, 83 anos, falou com a NS'

Tom Cruise, estrela de filmes como ‘Top Gun’, ‘Nascido a 4 de Julho', 'Magnolia', 'De Olhos Bem Fecha­dos' ou da saga 'Missão Impossível', desviou-se do papel que Sumner Redstone lhe traçara em 1992, quando a pe­quena companhia do actor norte-americano – Cruise/Wagner Productions – se ligou à Paramount. "Por muito que gostemos dele, consideramos errado renovar o seu contrato. O seu comportamento recente não é aceitável para a Paramount", afirmou o dono da Viacom ao 'Wall Street Journal'. "Ele é um actor magnífico. Pen­samos simplesmente que uma pessoa que comete um suicídio criativo e que custa milhões de dólares e receitas não deve ter mais lugar nos nossos estúdios." Mesmo aos olhos de um "liberal" Redstone, o actor norte-americano, sinónimo de milhões e milhões, converteu-se numa personagem extravagante e "descon­trolada". Nos últimos tempos era frequente ver Tom Cruise a discursar em defesa da Igreja da Cientologia, em demonstrações de amor pela actriz Katie Holmes (consideradas exibicionistas), a prometer comer o cordão umbilical dias antes do nascimento da filha e, mais recentemente, a impor "regras de conduta" para as visitas à sua descendente. No mundo dos negócios isso tem urn preço. Redstone responsabiliza o actor pela perda de 77 a 110 milhões de euros nas receitas de bilheteira previstas para o terceiro capítulo de 'Missão Impossível'.

Mas a vida continua e o negócio também. O actor Nicolas Cage e o realizador Oliver Stone estão de regresso às salas portuguesas a 21 de Setembro, data de estreia de 'World Trade Center'. Daqui alguns meses o actor Jamie Foxx vai juntar-se a Beyoncé e Eddie Murphy, num musical de pipocas intitulado 'Dreamgirls'. Tudo produções da Paramount, se bem que este último filme tenha o carimbo da Dreamworks (adquirida recentemente pela Paramount). Os responsáveis destes estúdios norte-americanos esperam fazer um brilharete e livrar-se de uma deca­dência feita de êxitos de bilheteira cada vez mais discretos.
Mas nenhum destes filmes conseguirá ser mais interessante do que aquele que não tem elen­co nem realizador, apenas argumento e protagonis­ta: o filme da vida de Sumner Murray Redstone, o homem por detrás desta e doutras fitas.
Dono, entre várias outras coisas, de dois gigantescos conglomerados mediáticos, a CBS (rádio, televisão, produtoras, canais temáticos, lojas Blockbuster) e a Viacom (Paramount Pictures, MTV, VH1 e Nickelodeon), Redstone é casado com uma norte-americana de origem italiana, Paula Fortunato (40 anos mais nova), tem dois filhos do primeiro casamento e costu­ma ser identificado como 'self made man'. Numa curta conversa telefónica com a NS', repete o que costuma dizer em todas as entrevistas: que nasceu po­bre e foi a pulso que chegou onde chegou. E que a for­tuna que se lhe atribui não é bem dele, porque é cons­tituída por acções e não por dinheiro vivo (que tam­bém o tem).
Um olhar atento ao seu percurso é suficiente para des­montar a fachada romântica. Nada, a não ser o nor­mal para todos os mortais, foi muito difícil para ele. Nasceu entre a burguesia, frequentou as melhores es­colas, arranjou um bom emprego e herdou do pai um negócio de gestão de salas de cinema, o mesmo que lhe abriu as portas do paraíso onde parece viver hoje. Aliado do partido Democrata americano, fez boas ami­zades ao mais alto nível. E aí está, cheio de viço, riquís­simo, falsamente modesto, mas homem esforçado – disso não se duvide.

Com 83 anos, caberá na categoria que a revista ‘The Economist' designa por gerontocapitalistas — empre­sários da velha guarda, que se mantêm no activo até muito depois da idade normal de reforma. Em 2006, está entre os 70 homens mais ricos do mundo, com uma fortuna de 7,7 mil milhões de dólares (cerca de seis mil milhões de euros), segundo avaliação da revis­ta 'Forbes', especialista neste tipo de classificações. No ano passado, tinha 8,8 mil milhões (perto de sete mil milhões de euros). Ocupa a 63ª posição na lista dos homens mais ricos do mundo.
Os dias, passa-os a trabalhar. "24 horas por dia, sete dias por semana", diz, com as viagens de negócios no topo das preocupações e a Turquia, a China, o Dubai e o Koweit no topo dos destinos. "Tenho reuniões com os representantes políticos desses países e acre­dito que a Viacom tem todas as condições para con­tinuar a exportar os seus produtos", explica Redsto­ne, adiantando em seguida que, no caso da China, "os conteúdos são adaptados ao gosto do público". Ao gosto do público ou às imposições políticas, num país sem liberdades? "Falo com frequência com to­dos os ministros chineses, tenho uma relação sólida com eles, e até agora não fiz quaisquer concessões", argumenta.
Vive em Beverly Park, em Los Angeles, a zona onde a nata da indústria do entretenimento americano se resguarda, na tentativa, nem sempre bem sucedida, de fugir às centenas de 'paparazzi', que, segundo escrevia o ‘The New York Times', os perseguem como "cães danados". A área onde fica a sua mansão tem, no mínimo, 20 mil metros quadrados. Uma bela casa, mas, como gosta de dizer, a única coisa com grande valor material que comprou na vida. Ao contrário de alguns vizinhos, como Eddie Murphy ou Rod Stewart, o velho Redstone gosta de passar des­percebido. Não é de dar entrevistas ou de se armar em comentador. Escolhe bem os momentos para o fazer e, então, é à grande. Uma das últimas aparições foi há alguns meses, na revista 'Newsweek'. Deixou-se foto­grafar na casa de Beverly Park, entre abundante vege­tação, como adoram fazer alguns milionários america­nos, e, depois dos elogios às suas empresas, aproveitou para deixar um recado ao adversário George W. Bush.

As autoridades que regulam a comunicação so­cial têm vindo a aplicar à CBS várias multas, num to­tal de quatro milhões de dólares (pouco mais de três milhões de euros), por alegada "indecência" dos programas. O mamilo que Janet Jackson revelou du­rante o espectáculo de encerramento do campeonato de futebol americano, há dois anos, e a volúpia de algumas séries de culto são as principais razões invocadas. Redstone, claro, considera "péssima" a re­gulação de conteúdos. "O governo não deve de manei­ra nenhuma determinar aquilo que os americanos ou­vem ou vêem. O governo deve manter-se fora deste negócio", protestou. Em conversa com a NS’, reafirmou que "só o consumidor é que deve fazer escolhas" e que "o mercado deve ser regulado pelo mercado".
Pensa assim, mas não é homem de direita. É um dos poucos capitalistas dos 'media' americanos que não gostam do partido Republicano. Está mais próximo dos democratas, o que não equivale a dizer que é de esquerda. Atribui-se-lhe, de resto, a seguinte frase: "Voto a pensar na minha carteira." Um pragmático.
Esta faceta política tem uma importância transcenden­te na sua biografia. Através dela percebe-se a sua fulgu­rante ascensão. Sabe-se que os presidentes Jimmy Car­ter (1977-81) e Bill Clinton (1993-2001), ambos do Par­tido Democrata, são dois dos seus melhores amigos. Em 1984, quando já tinha deixado o poder, Carter con­vidou-o para conselheiro da Biblioteca da Fundação Kennedy. E na década de 90, ao tempo de Bill e Hillary Clinton, frequentava com à vontade a Casa Branca. Aliás, assume-o Redstone abertamente, nos idos de 60 financiou as campanhas presidenciais de J. F. Kennedy, por quem tinha grande admiração, e, quando com­prou a Paramount, em 1993, recebeu por telefone as felicitações imediatas do vice-presidente democrata Al Gore. Mais: Clinton fez aprovar em 1996 uma lei que abriu as portas à concentração dos 'media'. Nem de propósito, em 2001, a Viacom compra a CBS, empresa que na década de 70 estivera na origem da compradora, e torna-se um potentado.

Da família deste empresário afável o que se sabe é ambíguo. O pai, judeu americano de origem ale­mã, começou como vendedor de madeira, passou a dono de restaurantes e bares e depressa começou a gerir espaços de cinema 'drive-in'. Redstone pas­sou a infância e juventude em Boston, onde nasceu a 27 de Maio de 1923. Nome de baptismo: Sumner Murray Rothstein.
A mudança de apelido, ainda hoje malvista por secto­res hebraicos americanos, deu-se em 1940. Decisão do pai, que nessa altura também deixou de ser Max e passou a ser Michael. Não é de crer que quisesse renegar as origens, mas apenas proteger-se dos mes­mos problemas que naqueles dias os judeus enfrenta­vam na Alemanha nazi. A mãe, de origem russa, chamava-se Bella. O irmão, Edward.
A sua biografia oficial, 'A Passion To Win', publicada há cinco anos através da editora Simon & Schuster, perten­cente à Viacom, dá a entender que viviam com dificulda­des. Nem casa de banho havia. Mas também se lê, paradoxalmente, que Redstone tinha aulas de piano em casa. Em todo o caso, o empresário norte-americano parece ter uma certa propensão para criar mistérios em seu re­dor, o que só capitaliza a curiosidade.
Atesta-o bem um episódio passado em 1979, de que gosta de falar e ao qual dedica as primeiras páginas da biografia. Viu-se cer­cado por um incêndio num quarto do hotel Boston Copley Plaza. "Cometi o clássico erro de abrir a porta do quarto. O calor e as chamas que bramiam lá fora envol­veram-me e queimaram-me as roupas e a pele. Saí por uma janela e fiquei agarrado no parapeito, com a mão e o braço a arderem". Salvou-se. A descrição da convales­cença serve apenas para o impregnar de virtude. "A re­cuperação ficou a dever-se em grande medida à minha vontade de vencer e à minha tenacidade. A vida come­ça quando nós queremos", escreve Redstone, deixando, mais uma vez, mistério no ar: que força interior é a dele, que o salva da morte certa e o resgata ao caminho da gló­ria? Numa recensão ao livro, a revista 'Variety' não se conteve e lamentou que ele não tivesse dedicado algu­mas linhas às namoradas de ocasião que as páginas cor-de-rosa de jornais de referência garantem que tem.
Ora, essa glória só veio a seguir à Segunda Guerra. Depois de ter servido no Exército, num grupo especial de espionagem que decifrava as mensagens das forças japonesas, Redstone licenciou-se em Jurisprudência. O curso estava mal acabado, mas o governo achou por bem distinguir assim o esforço de um patriota durante a guerra. Casou-se e tornou-se professor universitário em São Francisco e secretário-geral, em Washington, do Court of Appeals, o tribunal de instância superior em cada estado. No início dos anos 50 foi trabalhar para um escritório de advogados, mas não se manteve aí por muito tempo. Preferiu voltar para debaixo das asas do pai e ajudá-lo nos negócios. Foi em 1954. Tinha 31 anos. "Ser advogado é um negócio. Não é uma cruzada pelo bem da humanidade. Quando cheguei a essa conclusão, decidi dedicar-me aos meus próprios negócios", lê-se no livro.

A National Amusements, nome da empresa de ecrãs 'drive-in' que o pai fundou, tem hoje por sua conta 1300 salas nos Estados Unidos e faz parte da Via­com. Redstone transformou-a numa empresa de salas de cinema cobertas quando o 'drive-in' começava a es­morecer nos anos 60, e foi ele, também, quem forjou os padrões do que deve ser um complexo de cinema comercial, com boas cadeiras, pipocas e vários ecrãs. Multiplex, chamou-lhe.
O negócio expandiu-se brutalmente, mesmo com a concorrência dos grandes estúdios. Em pouco tempo, a National Amusements estava cotada na Bolsa. Mas o protagonista, que tem tanto de esperto como de visio­nário, achou que vender conteúdos teria mais futuro do que exibi-los. "Content is king" ("o mais importan­te são os conteúdos"), costuma dizer. Livrou-se de par­te das acções da National Amusements e começou a montar o império que se conhece. Em 1987, compra a Viacom, na sequência de uma OPA hostil – e por via disso passa a mandar na MTV. "Foi o primeiro grande negócio da minha vida", dirá mais tarde. Em 1993, é a vez de comprar a Paramount, que integra na Viacom. Sete anos depois concretiza a fusão da Viacom com a CBS, a sua companhia original. O ano passado decidiu dividir a Viacom (Viacom de um lado, CBS do outro) e declarou que a era dos grandes conglomerados chegou ao fim. Pode pensar-se que o lucro é a luz que o guia. Não é ver­dade. "Pensei a vida toda em ser um vencedor, mas nunca pensei em dinheiro", diz.
A quem lhe chama magnata, responde que é uma pessoa perfeitamente normal, apenas preocupada com os negócios – o que não o impediu de escrever na badana da sua biografia que é "um titã dos media".
Sumner Redstone prepara-se para se retirar este ano da administração da Viacom, a que preside. A filha, Shari, de 52 anos, irá suceder-lhe. O filho, Brent, fica de fora. Brent processou o pai, acusando-o de o desprezar nas principais decisões. Bruno Horta