Quando não há doentes, as enfermeiras do serviço de urgência lêem revistas cor-de-rosa e os médicos dormem ou vêem televisão. Mas depois há as noites agitadas em que, cansados ou não, eles precisam de tomar decisões muito depressa.
São 3h da manhã de um sábado de Setembro e os dois homens acabam de entrar nas urgências do Hospital da Covilhã - que, com o Hospital do Fundão, forma o Centro Hospitalar da Cova da Beira (CHCB).
Mais tarde é que se saberá o que lhes aconteceu. Estavam numa das mais movimentadas discotecas da cidade quando urna mulher se cruzou com eles. Resultado: por causa dela, começou uma discussão com um terceiro homem que, no calor do momento, terá partido um copo na cara daquele que repousa agora na maca. O da camisa aberta ainda tentou ajudar o ferido, mas só conseguiu cortar-se nos vidros, embora com menos gravidade. Olha o corredor vazio das urgências e suspira. "Ai, minha mãe!" Os amigos são suturados e lá voltam para casa.
Este caso é o único a agitar as urgências. Pouco mais acontecerá nessa noite.
Os enfartes do miocárdio, os acidentes vasculares cerebrais e os problemas respiratórios são os que aparecem mais vezes durante a madrugada. Além, claro, de bêbedos e de vítimas de acidentes de viação verificados sobretudo na A23, que atravessa a Beira Interior. Nesta madrugada, não se passa nada. Puro acaso, garantem enfermeiros, médicos e seguranças. Até porque, como o serviço de urgência do Hospital do Fundão (situado a
O Hospital da Covilhã atende, de acordo com João Gomes, director clínico e médico obstetra, cerca de 130 mil casos urgentes por ano. Mas as instalações, garante fonte do hospital, foram construídas a pensar em apenas 30 mil, o que não tem necessariamente influência sobre a qualidade dos cuidados de saúde ali prestados, asseguram os responsáveis do hospital.
Os dias costumam ser caóticos. Sobretudo a segunda-feira de manhã, que é quando despertam todos os males do mundo. Um clínico geral avança uma explicação: trata-se de falsas urgências, de ‘pseudodoentes’ à procura de atestados médicos para justificar faltas ao trabalho. É uma hipótese, mas não explica toda a afluência.
Os casos sérios também enchem os corredores de macas e acção. Como numa série de televisão passada nas urgências de um hospital americano? Não é bem assim, mas quase, respondem enfermeiros e médicos.
Teresa Santos tem 52 anos e é médica há mais de 20. Especializou-se em medicina interna. A meio da madrugada já leva mais de 17 horas de trabalho. Além das consultas durante o dia, foi destacada, esta semana, para as urgências, assumindo o papel de chefe de equipa, ou seja, o de coordenadora dos profissionais de serviço. "Não consigo dormir de dia, por isso, quando faço o turno da noite, chego a ficar acordada 24 horas seguidas", explica. O segredo para aguentar é dormir muito na véspera e muito no dia a seguir.
Ao longo dos anos, ganhou experiência suficiente para poder garantir que está pronta para qualquer emergência. "Em primeiro lugar, o facto de ser chefe de equipa significa que, se entrar aqui uma pessoa em estado muito grave, tenho de ser eu a tomar decisões", explica. "Em segundo lugar, consigo raciocinar muito depressa e concentrar-me na situação clínica do doente, esteja ou não cansada."
São 4h e Teresa Santos decide ir descansar. Os médicos têm ali perto um cubículo, com cama, mesa-de-cabeceira e nenhuma janela. Um clínico geral aproveita, faz uma pausa para fumar e ir à copa espreitar o filme de acção que passa na SIC. Os enfermeiros vão ao mesmo sítio comer qualquer coisa. E queixam-se da qualidade das refeições rápidas que uma empresa fornece ao hospital em pequenas caixas de cartão: iogurtes, sumo e sanduíches que não sabem a nada.
No corredor principal das urgências fica um gabinete onde outras enfermeiras se entretém a navegar na Internet e a ler a Caras, a Lux e a Máxima. Eles preferem o Jornal do Fundão e o Record. Fala-se da vida e de noites de sono perdidas
B.H.
Cova da Beira à espera da gripe das aves
As urgências do Centro Hospitalar da Cova da Beira estão preparadas para o caso de, no próximo Inverno, haver uma pandemia do vírus da gripe das aves, o H5N1. Quem o garante é o director clínico do hospital, João Gomes. O material de protecção para médicos já foi comprado: luvas, máscaras, viseiras, batas, aventais e botas – mais ou menos o mesmo que é utilizado para lidar com doentes com graves problemas imunitários. Dentro em pouco, os casos da gripe sazonal (a que aparece todos os anos) deverão ser usados para ensaiar novos métodos de organização das urgências, que passam a ter uma zona especial de atendimento. Em caso de alerta, defende João Gomes, é preciso ter as equipas já treinadas.