quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

O drama da diva na cozinha

Antes dos concertos só comia carne crua e tinha uma dieta rígida. O mordomo e a criada de Maria Callas revelam os estranhos hábitos alimentares da célebre cantora de ópera

A criada e o mordomo de Maria Callas sabiam que havia um ritual sagrado para a diva: sempre que ficava alojada em casa de amigos, pedia aos cozinheiros para lhe ditarem as receitas de que mais tinha gostado. Tomava notas em pequenas folhas de papel de carta e dava-as à sua criada para guardar. Outras vezes recortava, de forma quase obsessiva, as receitas das revistas italianas mais populares nas décadas de 40 e 50. Quando andava em viagem, fazia recortes dos jornais europeus e americanos.

Quase três décadas depois de ter morrido sozinha no seu apartamento de Paris, em Setembro de 1977, os amigos relatam a difícil relação que a famosa soprano manteve com a comida. No livro "La Divina In Cucina - II Ricettario Segreto di Maria Callas" (que se pode traduzir como "A Diva na Cozinha - As Receitas Secretas de Maria Callas"), editado em italiano mês passado, ainda sem edição portuguesa, explicam que a cantora coleccionava receitas e tinha hábitos alimentares muito rígidos para não engordar. "Resistia às iguarias que lhe preparavam com soberana resignação e determinação feminina", lê-se no livro. A fiel criada e cozinheira pessoal, Elena Pozzan, e o dedicado mordomo, Ferruccio Mezzadri, dizem, em depoimentos inéditos, que Callas raramente abria excepções na dieta. Quando tinha espectáculos, ganhava força comendo carne crua picada e temperada apenas com azeite. "Usava a colher para comer a carne desfeita e adorava verduras, especialmente o feijão verde e os espinafres", conta Elena Pozzan.

Ao pequeno-almoço, diz Ferruccio Mezzadri, tomava sempre um cappucino sem açúcar, comia um brioche sem nada ou uma torrada com marmelada e manteiga. Os bolos secos ingleses eram dos poucos luxos. "Quando vivia com Onassis e recebiam convidados na casa da avenida Foch [em Paris], a ementa era quase sempre grega, com os ingredientes a chegarem todos os dias por avião, directamente de Atenas", garante o mordomo.


Callas dizia que cozinhar bem [é] uma forma de arte, porque quem gosta de cozinha gosta também de inventar. Mas a verdade é que nunca se relacionou saudavelmente com a comida.

Em 1945, já uma profissional da ópera, submeteu-se a uma cura de emagrecimento nos EUA. Pesava 100 quilos e chegou aos 75 em poucas semanas. Em 1948, depois de uma operação, voltou a engordar. E em 1953 iniciou uma batalha interminável contra o excesso de peso. Perdeu 36 quilos muito depressa e com eles, dizia a crítica de então, algum poder vocal.

O primeiro marido de Callas, Giovanni Battista Meneghini (com quem se casou em 1949 e que deixou pelo milionário Aristóteles Onassis, dez anos depois), garante que os quilos a mais "davam náuseas" a Maria. "A sua vontade de emagrecer era extraordinária." Recusava-se a ingerir pão ou licores, bebia muito pouco vinho e só comia carne grelhada ou crua e muitas verduras. "Como uma cabra", dizia Meneghini.

Além destas histórias, o livro inclui muitas das receitas que Callas guardava. De acordo com a editora, a Trenta, de Milão, a obra vai ser traduzida na Alemanha e no Brasil nos próximos meses.
B.H.

Na "Sábado" de 6 de Dezembro.