segunda-feira, 7 de maio de 2007

A marmita da minoria, segundo Fialho de Almeida

Foi "romancista, pamfletário, crítico ilustre e o mais forte e original prosador da sua geração", segundo reza a lápide colocada em 1926 na casa onde nasceu, em Vila de Frades, Baixo Alentejo. Nasceu há 150 anos, Fialho de Almeida, no dia 7 de Maio de 1857 (morreu a 1 de Agosto de 1926).
O escritor Manuel da Fonseca juntou crónicas e contos dele, em 1984, no volume "Antologia de Fialho d'Almeida", edição das Câmaras Municipais de Cuba e Vidigueira. 3500 exemplares, hoje esgotadíssimos.
É lugar-comum falar da actualidade de escritos antigos para com isso os valorizar. É o caso. Excerto da crónica "Liberdades Coarctadas":

A pretexto de que a pátria reclama sacrifícios têm os governos do Sr. D. Carlos recolhido, uma a uma, todas as liberdades públicas e regalias conquistadas a preço de lutas, pelas gerações intelectuais dos últimos sessenta anos.

Não há exemplo d'um despotismo mais cinicamente refalsado, e todavia a opinião pública vai deixando violar o património das liberdades populares, sem que um assomo de raiva lhe enclavinhe as mãos no frenesi da mesma sede de esforço. Supressão do sufrágio e da liberdade de escrever, falar, assobiar e reunir, violações do domicílio e do segredo das cartas, assalto à autonomia municipal — todos estes crimes cometidos pelo governo em nome d'uma minoria privilegiada que defende a sua marmita, passam por cima da multidão sem a comoverem, como coisas inventadas por algum repórter fértil em racontos.

Assim, a lei da imprensa, que põe o autor do mais anódino artigo à mercê das meticulosidades do poder judicial, e dá ao governo a força para em duas horas suprimir qualquer jornal que o incomode, a lei da imprensa que já tem nas cadeias oito jornalistas republicanos, sobre outros tantos que andam pela Europa, desgraçados, à parte as perorações platónicas das vítimas, não deu de si sequer um movimento de simpatia colectiva pelos vencidos, e Heliodoro Salgado e Alves Corrêa, Bazílio Telles e José Pereira Sampaio, lá continuam no cárcere ou no exílio, sem que um remember da turba lhes adoce as amarguras do sacrifício feito por amor e interesse dela. O governo, sob pretexto de interdizer a função de associações de carácter político ou filantrópico, impossíveis de habilitar pela nova lei, intimou despejo aos clubes democráticos, a grande número de sociedades de educação e socorros mútuos, e nem um grito levantado na rua contra esta infamíssima medida, que enquanto fulmina associações suspeitas de republicanismo, deixa à vontade dos centros monárquicos, que são ao mesmo tempo em Lisboa casas de batota e oficinas de empregomania abomináveis! O domicílio é inviolável enquanto o cidadão vota com o governo, põe luminárias nos anos reais, ou dá para os «Te Deum» congratulatórios das melhoras do Sr. Lopo Vaz. Desde que o governo civil manda seguir os suspeitos políticos, e faz a lista dos homens «perigosos», escusa o cidadão de se cuidar seguro no seu ninho: ao menor pretexto, a polícia entra-lhe em casa, arromba-lhe as gavetas, viola-lhe os papéis, e insultar-lhe-á a mulher se acaso esta chorar.

(...)
Ondas de trabalhadores nas ruas, desocupados, mal vestidos, macilentos de miséria, oferecendo o braço que ninguém lhes assalaria, pedindo esmola que ninguém lhes dá, e dormindo enfim ao acaso, nas praças e terras adjacentes aos bairros em construção. De quando em quando, a polícia forma cordão de roda destes coiós, apanha a pobre gente como quem apanha cães vadios, e toca de a aferrolhar no Limoeiro sem mais explicações! Fialho de Almeida