sábado, 9 de junho de 2007

Soares: "As pessoas acham que se um político morre pobre é parvo"

Excertos da entrevista com Mário Soares, no "Expresso", hoje:

"Em dois anos de Governo, Sócrates acumulou demasiadas más vontades. Na classe média, no povo, no seu eleitorado tradicional. É tempo, julgo, de corrigir o rumo, pensando mais à esquerda."

"Recebo o «Diário de Notícias» de manhã, que folheio, distraidamente, num quarto de hora. Desapareceram os bons comentaristas como Medeiros Ferreira, Joana Amaral Dias, Vicente Jorge Silva, Alfredo Barroso. Já não compro o «Público». Procuro lê-lo, sem o comprar, aos fins-de-semana, por causa do Vasco Pulido Valente, do frei Bento Domingues e do António Barreto, e às vezes os artigos da Teresa de Sousa e da Constança Cunha e Sá. Os telejornais, todos iguais, são uma maçadoria ou tragédias, para alimentar o pessimismo nacional."

"Hoje, na política, há um hábito perigoso que são os lóbis. Permitidos na América, parece que vão ser autorizados em Portugal. É um estímulo ao tráfico de influências. Agora as pessoas desejam entrar na política para melhor usufruírem, depois, de lugares em empresas. Está a desaparecer o sentimento de honra - e o prestígio - do exercício de funções públicas. O que é terrível para o futuro das democracias."

"As pessoas acham que se um político morre pobre é parvo, porque não soube «arranjar-se»! Em sociedades sem valores - em que o dinheiro é tudo - desapareceu a sanção moral em relação aos políticos e aos funcionários públicos corruptos e não só a eles... Na fase do capitalismo financeiro-especulativo, em que vivemos, tudo é permitido. Vamos pagar essa excessiva permissividade muito cara."

"O neoliberalismo deu às pessoas a ideia de que o mundo é uma selva e a selva é para os mais fortes, que se alimentam dos mais fracos. É o que se chama o «darwinismo social». A força, aliás, não se mede pelo músculo, mas pela carteira. Cada vez há mais pobres e maiores desigualdades e o que acontece a esses pobres? É indiferente: estão condenados a desaparecer."

"Não é agradável para ninguém, bem formado, viver em condomínios altamente protegidos, num contexto de miséria em redor e que espreita... Haverá revoltas, grandes confrontações, talvez guerras. Só vejo uma forma de evitar os conflitos e porventura as revoluções que se preparam. Fazer reformas a sério, progressivas. Não contra-reformas. Não é acabar com o Estado, deixar os ossos ao Estado e a carne aos privados. Isso não é uma reforma. É uma contra-reforma."
Entrevista de Cândida Pinto e Clara Ferreira Alves