segunda-feira, 2 de julho de 2007

Diva em Sossego

Foto de José Pedro Tomaz
Na "Vogue" de Julho; excerto:

Parece que foi ontem, aquele voo de 1940, Roma-Barcelona-Lisboa. Era Setembro. A guerra, que haveria de ser a Segunda Grande, tinha três meses, ela apenas 10 anos. Nascida em Nápoles, foi viver alguns meses para a capital italiana, onde o pai, militar da Marinha, estava destacado. A mãe era doméstica, mas frequentara o magistério primário. E havia um irmão, mais velho.


Há-de ser uma família desencontrada, pelos anos fora, com aquela guerra e as constantes missões do pai.

Anna Mascolo tem agora 76 anos. Forjou-se neste ambiente difícil - o esconjuro, hoje, vem pela leitura de livros de História e de cartas de amor, firmadas pelos pais na destemperança daqueles anos. Itália, ou a fase ingénua da vida, há-de chamar sempre por ela. Mas sem resposta. Só um clamor a teve: a Dança. Mas aí, nada foi fácil, também. Fez-se a pulso, por entre problemas financeiros, nas melhores companhias e com os maiores mestres. Em Portugal, onde a tradição da Dança clássica não existia, ser bailarina era o mesmo que andar na má vida. E, no entanto, ela não se deteve.

Talvez por tudo isso, se tenha tornado rigorosa e intransigente, infalível devota do ofício, dona de uma prodigiosa memória artística - que é o seu maior património, como escreveu, há anos, Daniel Tércio, crítico de Arte e seu antigo colega de docência na Faculdade de Motricidade Humana.

O mito que a rodeia anunciava uma entrevista difícil, mas, noite dentro, à roda de uma mesa, na sua casa, deixou-se estar à conversa. Francisca, uma das empregadas, serve café. Foi ela quem abriu a porta do andar no centro de Lisboa e indicou a sala. "A senhora vem já." O jovem bailarino Luís Antunes, aluno e amigo, segue a conversa. A cadela Zazá, companhia de muitas horas, fica a olhar. Há uma estante com livros (salta à vista um sobre Coco Chanel); uma secretária onde estão espalhados documentos antigos e muitas fotografias; por cima, Anna Mascolo representada numa aguarela do pintor Eduardo Malta.

Toma café sem açúcar, enquanto discorre sobre a história da sua paixão. "A Dança clássica, que tem origem na Dança teatral, e a Música clássica são as duas invenções geniais da Europa. Uma, é a grande Dança; a outra, é a grande Música." Depois, prossegue o relato da sua vida. Bruno Horta