No "Público" (caderno "P2") de 8 de Maio; excertos:
É um livro difícil, com uma tese original. Against Happiness: In Praise of Melancholy, de Eric G. Wilson, publicado no início deste ano nos EUA, denuncia uma América viciada na felicidade fácil e demasiado dependente daquilo a que o autor chama "indústria da auto-ajuda".
"A procura da felicidade a qualquer preço não é apenas um passatempo", diz Wilson, "está enraizada na alma americana." Provas de comportamentos felizes obsessivos? A corrida aos centros comerciais, a vida dentro de condomínios fechados, livros de auto-ajuda, ginásios, igrejas e seitas (descritas como "fábricas de felicidade"), a moda da comida saudável.
(...)
A melancolia, diz Wilson no livro, "não é uma doença ou uma fraqueza da vontade", mas uma fonte de criatividade, na vida e na arte. Contudo, os americanos consideram-na "um estado aberrante", que é preciso expurgar. Ora, "a grande tragédia é viver sem tragédia", defende o autor, ressalvando que melancolia e depressão são coisas diferentes: "A depressão causa apatia. A melancolia gera uma turbulência no coração que resulta numa contestação permanente do statu quo e numa vontade contínua de criar novas formas de ser e de ver."
(...)
Em entrevista ao P2, o autor não quis pronunciar-se sobre a realidade portuguesa, que desconhece, mas sublinhou que o poder da melancolia como força criadora "sempre foi levado mais a sério na Europa, por pensadores e artistas, do que na América".
E nós, onde estamos em tudo isto? Dir-se-á que os portugueses estão longe dos americanos nesta busca da felicidade fácil. Mas nem tanto. No livro A Morte de Portugal, publicado em Dezembro, o escritor e professor de Filosofia Miguel Real diz que a americanização do país é esmagadora. "Por causa de um fenómeno de aceleradíssima descristianização e desumanização ética da sociedade e de uma rapidíssima submersão social numa tecnocracia científica anónima que nivela as nações", Portugal "atingiu o seu limite de esgotamento e está a chegar ao fim". Vem aí, acredita Miguel Real, "um novo país urbano e cosmopolita, eticamente relativista, em total ruptura com o antigo Portugal, eminentemente rural e religioso, eticamente absolutista". Porquê? Porque Portugal "apanhou o comboio europeu", que estava, e está, "totalmente dependente do poderio americano, que imita como um macaco de circo".
Será, pois, que os portugueses também estão, tal como os americanos, cada vez mais interessados na felicidade fácil? Quererão enterrar de vez o peso do fado e da saudade? Estudos estatísticos dizem que o país continua a ser triste. Especialistas contactados pelo P2 [escritora e professora e literatura Yvette Centeno; psicóloga Marta Chaves; sociólogo Moisés Espírito Santo; escritor Mário de Carvalho] divergem nas interpretações. Não tendo lido o livro Against Happiness, aceitaram dar opinião em abstracto. Bruno Horta
É um livro difícil, com uma tese original. Against Happiness: In Praise of Melancholy, de Eric G. Wilson, publicado no início deste ano nos EUA, denuncia uma América viciada na felicidade fácil e demasiado dependente daquilo a que o autor chama "indústria da auto-ajuda".
"A procura da felicidade a qualquer preço não é apenas um passatempo", diz Wilson, "está enraizada na alma americana." Provas de comportamentos felizes obsessivos? A corrida aos centros comerciais, a vida dentro de condomínios fechados, livros de auto-ajuda, ginásios, igrejas e seitas (descritas como "fábricas de felicidade"), a moda da comida saudável.
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A melancolia, diz Wilson no livro, "não é uma doença ou uma fraqueza da vontade", mas uma fonte de criatividade, na vida e na arte. Contudo, os americanos consideram-na "um estado aberrante", que é preciso expurgar. Ora, "a grande tragédia é viver sem tragédia", defende o autor, ressalvando que melancolia e depressão são coisas diferentes: "A depressão causa apatia. A melancolia gera uma turbulência no coração que resulta numa contestação permanente do statu quo e numa vontade contínua de criar novas formas de ser e de ver."
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Em entrevista ao P2, o autor não quis pronunciar-se sobre a realidade portuguesa, que desconhece, mas sublinhou que o poder da melancolia como força criadora "sempre foi levado mais a sério na Europa, por pensadores e artistas, do que na América".
E nós, onde estamos em tudo isto? Dir-se-á que os portugueses estão longe dos americanos nesta busca da felicidade fácil. Mas nem tanto. No livro A Morte de Portugal, publicado em Dezembro, o escritor e professor de Filosofia Miguel Real diz que a americanização do país é esmagadora. "Por causa de um fenómeno de aceleradíssima descristianização e desumanização ética da sociedade e de uma rapidíssima submersão social numa tecnocracia científica anónima que nivela as nações", Portugal "atingiu o seu limite de esgotamento e está a chegar ao fim". Vem aí, acredita Miguel Real, "um novo país urbano e cosmopolita, eticamente relativista, em total ruptura com o antigo Portugal, eminentemente rural e religioso, eticamente absolutista". Porquê? Porque Portugal "apanhou o comboio europeu", que estava, e está, "totalmente dependente do poderio americano, que imita como um macaco de circo".
Será, pois, que os portugueses também estão, tal como os americanos, cada vez mais interessados na felicidade fácil? Quererão enterrar de vez o peso do fado e da saudade? Estudos estatísticos dizem que o país continua a ser triste. Especialistas contactados pelo P2 [escritora e professora e literatura Yvette Centeno; psicóloga Marta Chaves; sociólogo Moisés Espírito Santo; escritor Mário de Carvalho] divergem nas interpretações. Não tendo lido o livro Against Happiness, aceitaram dar opinião em abstracto. Bruno Horta