quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Um certo desejo feminino

Na "Vogue" de Outubro; excerto:

Bem maquilhada, veste um top que revela um torso robusto e agita as mãos nervosas para melhor se expressar. De repente, aclara a voz com um pouco de água e dá uma gargalhada contida, embrulhada num sorriso muito irónico. É a reacção a uma pergunta que começa assim: “Uma sociedade como a espanhola, em que a ministra da Defesa [Carme Chacón] passa revista às tropas grávida…” E a gargalhada contida intromete-se. "O filho que a ministra entretanto deu à luz [em Maio ] tem como pai um antigo chefe meu que foi meu namorado”.

No início de uma tarde de calor, no escritório da editora Cavalo de Ferro, na Baixa lisboeta, a escritora espanhola Paula Izquierdo, de 46 anos, está disponível para falar sobre o seu livro Sexodependentes – 21 Histórias de Mulheres Radicais, cuja tradução portuguesa (por Gabriela Matias) acaba de ser publicada. Mas a conversa ganha outro caminho. O livro, um conjunto de vinte ensaios biográficos, não carece de grandes dissertações. É simples e de leitura fácil. Faz-nos voltar a pensar em mulheres como Janis Joplin, Edith Piaf, Virginia Woolf, Anaïs Nin, Simone de Beauvoir ou Isadora Duncan não do ponto de vista daquilo que fizeram enquanto figuras públicas, mas à luz do óbvio e ardiloso ângulo escolhido pela autora – as transgressões sexuais de que foram exímias praticantes, umas ao ponto de serem autênticas marginais da moralidade, [outras ao ponto] de se terem tornado ninfomaníacas.Mas com Paula Izquierdo à nossa frente – a mala já feita, ali ao lado, para daqui a poucas horas apanhar o voo de regresso a Madrid, cidade onde nasceu e vive – interessa mais conhecê-la a ela do que ao objecto literário que escreveu. Que pensa sobre as mulheres de hoje e a sua sexualidade [alguém que decidiu fixar em livro as intimidades de figuras históricas]?

Voltemos à pergunta que marca a conversa: a imagem da ministra espanhola da Defesa grávida, passando revista às tropas no dia da tomada de posse. É muito poderosa, não é? “Sim, é”, admite enfim a escritora. “Mas é preciso encontrar o equilíbrio e não levar as coisas ao outro extremo. Ela é uma mulher muito inteligente, se estava grávida não podia deixar de estar, claro, mas foi oportunista naquele momento. Aliás, suspeito que o primeiro-ministro Zapatero quando a convidou para ministra já tivesse em mente essa imagem forte que é uma mulher grávida. Por mim, gosto que quem está no poder seja inteligente e coerente, independentemente de ser homem ou mulher. É idiota escolher uma mulher para um lugar só por ser uma mulher”. Bruno Horta