terça-feira, 4 de outubro de 2011

O futuro do jornalismo não é o digital

Acho que também posso dar opinião sobre o futuro do jornalismo escrito, já que esta é a minha profissão e está na moda dar-se opinião sobre o futuro do jornalismo escrito.  Julgo que o futuro será feito de:

- publicações digitais e impressas, gratuitas ou baratas, de carácter publicitário (o que dá dinheiro, cria emprego e já não é jornalismo) 

- e publicações digitais e impressas, caras mas bem feitas, que continuarão a procurar a verdade dos factos e dar aos leitores textos que alimentam a curiosidade intelectual e cidadã (é isto o jornalismo).
Ao contrário de alguns profetas do jornalismo, penso que a questão do digital versus papel não tem grande interesse. Ninguém perde tempo com o facto de os recibos verdes já não serem em papel, mas em suporte digital. Não se alterou nada de substancial: as pessoas continuam a passar recibos verdes.
Quando o Público e o Expresso só existirem na Internet e nos computadores-tablete, que mudança de fundo terá ocorrido? Nenhuma. Talvez haja mais informação gráfica e menos texto. Mas o processo de produção será igual: recolha de dados e redacção. E a leitura continuará a fazer-se com os olhos.


O que de essencial vai mudar no jornalismo é a transparência. Uma parte da imprensa deixou-se capturar pela lógica mercantilista. Ou nunca de lá saiu. Não a lógica que leva a escrever títulos sensacionais (essa é velha e tem mais de um século), mas a que leva a fazer passar por informação aquilo que é publicidade ou propaganda partidária ou ideológica.
O futuro passa por assumir perante os leitores que já não se está a fazer jornalismo, mas propaganda, o que é legítimo. Ou que se está ainda a fazer jornalismo. Porque as pessoas têm o direito de saber que tipo de coisa estão a ler. 
Quem quiser ler jornalismo, quererá, como hoje, jornalistas que saibam limpar as mensagens e mostrar o essencial. E pagará por isso. 
O futuro do jornalismo não tem grande ciência. Terá, sim, estratificação social. É outro tema.