segunda-feira, 29 de julho de 2013

Lisboa para Adultos


Diz-se que é no Verão que o desejo aquece. E aqui na Time Out ainda não encontrámos prova em contrário. Bruno Horta conta-lhe cinco histórias de Lisboa que mostram como o negócio do sexo e do erotismo, mesmo em tempos de crise, arranja sempre maneira de se manter de pé. As fotografias são de Gonçalo F. Santos.



Massagens em apartamentos
A RUA JÁ DEU O QUE TINHA A DAR
Lisboa tem cada vez menos prostituição de rua, mas a actividade não diminuiu. Pelo contrário. Passou para apartamentos discretos um pouco por toda a cidade. Os anúncios falam em massagens com descompressão e envolvimento íntimo. É isso que Sara Rosa faz há vários anos.

Sara Rosa não tem um, nem dois, nem três telemóveis. Tem sete, quase todos modelo antigo, e quando sai à rua mete-os numa mala de mão à qual se agarra agora, enquanto conversa sentada numa esplanada. Embora fale muito e pareça não ter pudor em contar detalhes, é uma mulher tímida e deve ser por isso que puxa a mala contra o peito, como que a proteger-se. Não admira – lá dentro estão os telemóveis que a ligam aos clientes. Ela é o capital e a mão-de-obra; os telemóveis, os meios de produção. “Cheguei a receber 100 chamadas num só dia, hoje recebo umas 30 e é por altura do dia 10 ao dia 20 de cada mês que tenho mais clientes, não sei explicar porquê. Eu digo a eles que sou uma quarentona, tenho anúncio de quarentona faminta, sem limites para seus desejos mais loucos. Mas os desejos também têm regras, não são todos, entendeu? Não faço natural e não beijo na boca.”


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Dançarinas; Varões
EM TEMPOS DE CRISE NINGUÉM SAI ILESO
Há cada vez menos homens interessado em ver striptease, por causa da falta de dinheiro. Vítor Trindade, patrão do Passerelle, vive na noite há quatro décadas e garante que o erotismo é um negócio próspero quando há pequenas crises – mas a crise actual não é pequena. 

Rei do sexo, rei do alterne, rei da noite. Os jornais já lhe chamaram de tudo no passado, mas Vítor Trindade desaprova. “Quem escreve isso está a difamar-me sem sequer me conhecer. Se me chamassem ‘bom rapaz’ não vendiam jornais. Não quero ser rei de nada, não tenho título, sou um empresário que trabalha na noite há 40 anos. Já tive esta casa e mais 10,
de Viana do Castelo até ao Algarve”, recorda. Hoje só tem duas: o famoso Passerelle, no Campo Pequeno, e o Photus, junto ao Arco do Cego. Mas nada de milhões, como noutros tempos, garante o empresário. A noite para adultos, ou a indústria do sexo lisboeta em versão bar nocturno com striptease, já não tem reis. E mesmo as rainhas – as bailarinas – consta que já tiveram outro brilho. 

“Nos últimos anos tive uma quebra de 60% porque apanhei com duas crises: a crise do meu processo e a crise do país. A maioria dos que vinham, e que me conheciam, não deixaram de vir. Mas é uma maioria que é uma minoria a nível do país”, explica Vítor Trindade. “Agora, também lhe digo: o Passerelle sempre foi um pequeno barómetro da noite e se esta casa está fraca, imagino as outras. Quando havia pequenas crises, aí sim os homens vinham para a noite descontrair e o negócio rendia. Hoje não rende. Houve três coisas que rebentaram com a noite: a crise; a abertura do Casino Lisboa, porque as pessoas gastam tudo no jogo e deixam de ter dinheiro para sair à noite; e o atendimento em apartamentos, que obviamente não é só para fazer massagens”, garante.


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Pornografia
FILMES COM PORTUGUESAS VÃO À LUTA
A única produtora de filmes hardcore em Portugal aposta agora no Brasil. O responsável pela Hotgold diz que na era da internet há espaço para todos os temas e fetiches porno.

Ele entra vestido de campino no gabinete de uma personagem com cabeleira loira e diz-lhe de mãos à cintura: “Ouve lá, ó minha vaca, vieram-me dizer que andas a foder os portugueses.” Pausa dramática, conclusão rápida: “Agora quem te vai foder sou eu.” Eis uma das cenas do filme Ângela Enrabada… Dívida Perdoada, lançado em Março pela produtora portuguesa Hotgold. Como sempre nestas produções, o título é brejeiro e com humor; as falas, abaixo de ordinário; os actores e as actrizes, amadores, a fazer lembrar o vizinho e a vizinha do nosso prédio. É um estilo que é todo um programa.

“A estética, a qualidade e a quantidade dos filmes para adultos em Portugal são em tudo diferentes do que se passa lá fora”, observa Carlos Ferreira, 40 anos, o homem por detrás da Hotgold desde há cinco anos, antigo gestor na Zon e na Visabeira. “Mas nós queremos competir com a indústria internacional da mesma forma que as outras produtoras competem, porque o mercado pornográfico tem hoje uma dimensão e uma diversidade tremendas. Os conteúdos são cada vez mais tematizados e a distribuição é cada vez mais alargada, por isso há sempre espaço”, acredita. “O nosso público actual quer é ver uma menina a dizer ‘ai, ui’, que até pode ser a vizinha do lado, porque é portuguesa, e a médio prazo pensamos em mercados com interesse em ver filmes com portuguesas, como vêem com italianas ou japonesas. Queremos ir ao encontro das comunidades portuguesas fora do país: o milhão de portugueses em Paris é um mercado atraente. E explorar mercados que nos são próximos em termos linguísticos, como o do Brasil ou Angola. É um mercado muito concorrencial, mas um bairro de São Paulo vale por Portugal.”

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Espaço gay e 'hetero'
KIKI MUDOU O GÉNERO DAS SAUNAS DE LISBOA
Mulheres e transexuais tinham entrada vedada nas saunas da cidade. Até que em Fevereiro de 2011 abriu um novo espaço junto ao Marquês de Pombal. Homens casados ou divorciados com mais de 28 anos são o público principal. Mas há de tudo. O projecto transformou a vida da sua criadora.

Kiki Pais de Sousa orgulha-se de si e do seu projecto, a SaunApolo 56, que abriu na Rua Luciano Cordeiro a 22 de Fevereiro de 2011. Sobretudo porque é muito estreita a relação entre a sauna e a sua vida pessoal: era um homem e iniciou um processo de mudança de sexo na exacta altura em que abriu o negócio. “Há um lado de orgulho na minha identidade e na minha orientação, tenho muito orgulho em ser transgénero e em ter sido capaz, aos 45 anos, de iniciar um processo que é muito complicado”, conta. “Este espaço deu-me coragem para também fazer algo que andava a adiar. Significou a liberdade de poder escolher, independentemente das consequências. Significou uma independência emocional.”

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Anúncios
INTERNET, JORNAIS E ALGUNS MILHÕES
Portugal descobriu há dez anos a publicidade na internet para serviços de prostituição. Em Lisboa funcionam pelo menos duas empresas deste tipo. Mas o negócio chega para todos e os jornais diários continuam a ter páginas inteiras com ofertas. São incertos os limites legais.

Sempre que está sol, temos mais visitas”, conta João, gerente do Portal Privado, um dos mais conhecidos sites portugueses para anúncios de serviços sexuais. João não revela o apelido nem a idade porque ainda não explicou aos filhos menores esta faceta do seu trabalho – entende, por isso, resguardar-se. Ainda assim, explica à Time Out como funciona este negócio florescente. Um negócio que apareceu em Portugal há quase uma década e aparenta ser tão rentável quanto o dos velhos anúncios de jornal.

“Temos sempre um número elevadíssimo de visitas, posso dizer que é mais de um milhão de visitantes únicos por ano”, assegura João. “Só acalma nas duas primeiras semanas de Agosto, que é quando as pessoas vão de férias com a família”, afirma – o que permite entender o perfil do público-alvo.

[excertos de textos publicados na Time Out Lisboa de 24 de Julho de 12013 , pp. 12 a 21]