Bruno Horta viu alguns dos filmes que passam esta semana no festival de cinema gay e lésbico. E explica-lhe o que vale a pena ver.
É o acontecimento cultural LGBT mais importante do país e ao chegar à 17ª edição faz prova de grande vitalidade. No meio da crise portuguesa, o Queer Lisboa apresenta filmes de peso e uma programação paralela que testemunha a proximidade entre o festival e a chamada comunidade gay de Lisboa [...]. Arranca esta sexta-feira, dia 20, e termina a 28, no Cinema São Jorge.
Se se confirmar a média dos últimos anos (números do Instituto do Cinema), são esperados cerca de sete mil espectadores. Como sempre, o Queer é organizado pela associação cultural Janela Indiscreta mas agora passa a ter como subtítulo Festival Internacional de Cinema Queer, em vez de Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa.
Além dos prémios para Melhor Longa-Metragem, Documentário e Curta-Metragem, aparece pela primeira vez a secção competitiva In My Shorts, com curtas de estudantes europeus. Ao todo, 93 filmes (91 em 2012, 84 em 2011, 119 em 2010). Eis uma selecção possível.
CONTINENTAL
A noite de abertura vai mostrar o documentário Continental, de Malcolm Ingram (Sex, 21.00; Seg, 17.00). Somos levados à Nova Iorque do fim dos anos 60, quando a sauna Continental terá dado início a uma revolução cultural e sexual, atraindo pessoas como Hitchcock, Nureyev ou Warhol. O cantor lírico Steve Ostrow, fundador da sauna, é um dos entrevistados, assim como o escritor gay Edmund White. A sauna ficava em Brooklyn, durou até 1974 e era em simultâneo sala de espectáculos. À exibição segue-se uma festa, a partir da meia-noite no Teatro do Bairro, com o DJ Nuno Galopim e a actuação do rapper gay americano Cazwell.
SILENT YOUTH
Trata o tema da doença mental, mesmo se indirectamente, e vai para além disso. Silent Youth, de Diemo Kemmesies (Sáb, 17.15), retrata dois adolescentes que se conhecem nas ruas de Berlim e constroem lentamente uma certa intimidade. Aparentam estar longe dos estereótipos do que é hoje um homossexual – e o realizador acompanha-os ao evitar mostrar nudez e cenas de sexo. Fica a ideia de que as duas personagens são vítimas não de um contexto social anti-gay mas da própria incapacidade de engendrarem relações.
I AM DIVINE
Momento de comédia será certamente o da exibição de I am Divine, de Jeffrey Schwarz (Ter, 17.00; Sáb, 28, 17.00). Um documentário onde o actor Harris Glenn Milstead (1945-1988), conhecido como Divine, é apresentado como um travesti sensual, monstruoso e excessivo, sociável até à medula, figura central da era do disco sound nos EUA. “Ele rompeu com as regras do travestismo e criou novas regras”, diz John Waters, o realizador que tornou Divine famosa através de filmes como Pink Flamingos (1972) ou Hairspray (1988). Em imagens de arquivo, Divine aparece e declara: “Acho que o público gosta de se sentir chocado. A minha função é chocar.”
NOCHES DE ESPERA
Em registo porno-ensaístico temos Noches de Espera (Ter, 19.30), de Tiago Leão. Uma produção luso- -espanhola que mostra várias histórias actuais – homo, hetero e transexuais – para dizer que o sexo com vários parceiros e o consumo de drogas são uma realidade transversal a uma geração individualista, desencantada e solitária que agora chega aos 30.
INTERIOR. LEATHER BAR
O filme de que toda a gente fala por causa das cenas pornográficas, é, afinal, um ensaio sobre a cultura gay actual. Interior. Leather Bar (Ter, 22.00; Qua, 25, 17.15), documentário de ficção de James Franco e Travis Mathews, recria os 40 minutos que terão sido cortados da montagem final de A Caça (1980), filme de William Friedkin com Al Pacino no papel de um polícia à paisana que persegue um assassino em série. Se A Caça foi considerado à época um filme anti-gay, este outro, filmado na era do casamento entre homossexuais e da parentalidade gay, põe em causa a regulação dos comportamentos que essas alterações legais podem implicar.
[texto publicado na Time Out Lisboa de 18 de Setembro de 12013 , pp. 64 e 65]