Como é que se pode descrever Setúbal em meia dúzia de linhas?
Não se pode. Mas fica sempre bem começar por conhecer o nome romano de uma cidade, e Setúbal chamava-se Cetóbriga. Antes deles, já iberos, celtas e fenícios se tinham estabelecido na margem direita do Sado. Até ao século XIII foram os árabes que dominaram, e entretanto chegou D. Sancho II para os expulsar. Como cidade, é instituída em 1860. Hoje faz parte, tal como Palmela e Sesimbra, do Parque Natural da Arrábida (criado em 1976) e da Reserva Natural do Estuário do Sado (1980). O concelho de Setúbal tem oito freguesias e 171 quilómetros quadrados de extensão.
Quando é que Setúbal se tornou uma cidade importante?
Quem pensa que o terramoto de 1755 só destruiu Lisboa, sabe a história pela metade. Em Setúbal também houve “avultados danos e muitas mortes, pelo que a vila teve de ser praticamente reconstruída”, diz a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (1999). O século XIX seria a fase de maior progresso. “Vários edifícios públicos datam desta época, assim como a abertura da Avenida Luísa Todi”, regista a mesma enciclopédia. Em 1861, chegou o comboio. Na mesma época, o empresário José Maria da Fonseca lança o moscatel de Setúbal. A indústria da conserva de peixe estabelece-se na mesma época. Rogério Claro, em Setúbal de há 100 Anos (1990), vai buscar a Gazeta Setubalense de 1887 para expor os problemas urbanísticos de então. É impossível não citar: “Causa pena ver a nobre pátria de Elmano [Bocage adoptou o pseudónimo Elmano Sadino] enodada nas suas ruas por correntes tediosas enfermiças, que o sol do estio aquece” e por “um solo que exala eflúvios miasmáticos, assaz desagradáveis”.
Que outras citações históricas fulgurantes encontrou a Time Out enquanto pesquisava sobre Setúbal?
Por estranho que pareça, Hans Christian Andersen visitou a cidade em 1886, convidado por Jorge O’Neill (filho do cônsul português na Dinamarca). O escritor dinamarquês escreveu sobre Setúbal, mas não deixou mais que ideias líricas: “A cidade mostrava-se naquela noite de Santo António com toda a iluminação festiva, viva e alegre. Setúbal é mais bela vista da baía.” No mesmo registo, há uma frase atribuída a Frei Luís de Sousa no livro Setúbal, do historiador José Custódio Vieira da Silva: “Uma das melhores e mais ricas vilas do reino, que por isso goza o título de notável.” Já o pintor Elói do Amaral, no conhecido Guia de Portugal de Raul Proença, deixou para a posteridade duas pinceladas indispostas: “Esta maravilha do décor, da moldura, faz esquecer o pouco interesse que em si apresenta a cidade – que é um bairro antigo de Lisboa entre laranjeiras.”
Que conhecimentos do porto de Setúbal é preciso exibir a meio de uma discussão sobre a hermenêutica da construção naval portuguesa?
A indústria da pesca e das conservas (sardinha, sobretudo), mais a construção de navios (a Setenave é de 1971, hoje chama-se Lisnave) só aparecem nesta zona por causa do porto. A sul de Lisboa a costa é “arisca, alcantilada e inacessível”. Mas o porto de Setúbal está no “melhor ponto do litoral, de Lisboa para baixo, onde se pode colocar um porto de certa importância”, diz o livro Porto de Setúbal (2003), da historiadora Maria da Conceição Quintas.
Que pessoas famosas nasceram em Setúbal?
José Mourinho (n. 1963) será um dos primeiros nomes que ocorrem. A velha Rua da Saúde, na zona ribeirinha, vai até ser rebaptizada como Avenida José Mourinho, anunciou a Câmara há poucas semanas. Antes de o actual treinador do Chelsea ser conhecido, outras personalidades eram imediatamente relacionadas com Setúbal. Evidentemente, Bocage (1765-1805), cujos sonetos eróticos e satíricos lhe deram glória eterna. Luísa Todi (1753-1833), cantora lírica que fez carreira em Paris e hoje dá nome a uma das maiores avenidas de Setúbal, antigamente conhecida como Rua da Praia. E ainda o estilista Luís Buchinho (n. 1969), que vive no Porto. A canção ligeira portuguesa também tem a sua dívida para com Setúbal: Toy (n. 1963) e Clemente (n. 1955) nasceram ali. Por fim, e segundo a infatigável Wikipédia, é filho da terra um conhecido problemista de xadrez: Rui de Carvalho Nascimento (1914-2012).
Quais são os pratos típicos da zona?
Tradicionais, tradicionais, são a caldeirada à setubalense, os salmonetes, o doce de laranja, a marmelada de laranja, e, claro, as tortas e os queijos de Azeitão. Ah, e o choco frito, pois é! Só que o que existe na zona é pequeno, dizem os donos dos restaurantes, pelo que aquele que ganhou fama vem da Indonésia e Marrocos. Era um petisco típico das tascas e só em tempos recentes ganhou estatuto.
E vinhos?
O moscatel, em primeiro lugar. “Pela intensidade dos raios solares, as vinhas da região de Setúbal produzem uvas de um doce muito acentuado e, como tal, eram e continuam a ser usadas na fabricação dos famosos vinhos moscatéis”, escreve Maria da Conceição Quintas.
E em relação ao Vitória de Setúbal, não se arranja nem uma linha?
Arranja-se, com certeza. Afinal, o Futebol Vitória Clube, que toda a gente conhece como Vitória de Setúbal, é um dos históricos do futebol português. Foi fundado em 1910 a partir da junção de três clubes. Jogou dez finais da Taça de Portugal e venceu três: 1965, 1967 e 2005.
[texto publicado na Time Out Lisboa de 28 de Agosto de 2013 , p. 13]