Quadros de paisagens de pintores do século XVII, ainda por cima nórdicos. Parece desinteressante? O Museu de Arte Antiga está mais entusiasmado do que nunca. Os quadros viajaram do Prado, em Madrid, e na promoção está a Everything is New, que fez da mostra de Joana Vasconcelos um êxito de visitas. Bruno Horta explica-lhe o que vai ver, numa das exposições do ano.
O director do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) anda entusiasmado. “Vamos mostrar quase um século de pintura, é um deslumbramento: uma viagem por um banquete de esplendor e minúcia”. António Filipe Pimentel está no cargo desde 2010 e finalmente consegue apresentar aos portugueses o resultado da sua “estratégia de internacionalização”. A exposição “Rubens, Brueghel, Lorrain: A Paisagem Nórdica do Museu do Prado” abre ao público às 10 da manhã de quarta-feira, 4 de Dezembro, e resulta de um acordo, inédito, entre o MNAA e o célebre museu espanhol.
São 57 pinturas com paisagens do século XVII criadas por mestres dos Países Baixos, Flandres e Alsácia – o Norte da Europa, para os pintores italianos de então. Nenhuma das obras foi alguma vez mostrada em Portugal, garante António Filipe Pimentel.
O catálogo apresenta 60 quadros, mas três deles, por razões de conservação, não puderam viajar. A montagem começou há dias e, quando estiver pronta, ainda esta semana, dará origem a nove núcleos que remetem para os principais temas representados: água, montanha, campo, bosques, jardins, etc. A produção pertence à Everything Is New, conhecida pelos concertos e festivais de Verão e agora dedicada à área das exposições – produziu este ano “Joana Vasconcelos” no Palácio da Ajuda, que alcançou o recorde português de 235 mil visitas. “A Everything Is New dá-nos aquilo que nos faltava: capacidade de financiamento do projecto, já que não temos de captar mecenato, e uma máquina que faz a estratégia de divulgação e a articulação com o público turístico”, sublinha o director do MNAA, sem no entanto estabelecer metas para o número de visitantes. Vai ser “um grande evento”, confia António Filipe Pimentel.
Mas qual a importância desta mostra e porque é que vale a pena ir vê-la? “A individualização da paisagem como género pictórico acontece no século XVII e vai ser estratégica para o desenvolvimento do Romantismo, do Naturalismo e, depois, do Impressionismo”, diz o director do MNAA. Teresa Posada Kubissa, conservadora do Museu do Prado e curadora da exposição, acrescenta: “Os pintores nórdicos davam importância a géneros pictóricos que os italianos consideravam menores, como a natureza-morta ou a paisagem. Para os italianos a paisagem era o fundo das cenas, enquanto os nórdicos representavam o contexto e contavam uma história através da paisagem.”
“Rubens, Brueghel, Lorrain: A Paisagem Nórdica do Museu do Prado” fez parte do programa Prado Itinerante, criado pelo museu madrileno. Viajou nos últimos dois anos por Santiago de Compostela, Saragoça, Valência, Sevilha e Palma de Maiorca. As cidades espanholas tiveram acesso a uma selecção, enquanto os lisboetas poderão ver uma versão completa, que resulta de um protocolo assinado em Setembro último entre o Prado e o museu da Rua das Janelas Verdes. “É a primeira vez que se celebra um protocolo de relação estável em múltiplos domínios entre os dois principais museus da Península. Isto decorre de uma linha programática que estabeleci”, nota António Filipe Pimentel.
A exposição mantém-se até 30 de Março de 2014 e o bilhete de entrada custa seis euros. Quem pagar 10 euros pode visitar o restante museu. Para já, apresentamos nestas páginas sete pinturas escolhidas pela curadora Teresa Posada Kubissa a pedido da Time Out Lisboa.
O PARAÍSO TERRENO
(Cerca do ano 1620, óleo sobre madeira, 59x41 cm)
JAN BRUEGHEL, O JOVEM
“Um dos mais belos e originais bosques bíblicos” de Jan Brueghel, o Jovem. É assim que o catálogo da exposição define a obra. Vale a pena seguir a explicação aí apresentada: “À primeira vista parece que o importante não é o tema dos animais representados mas sim o bosque, que está executado com extrema minúcia. O espectador, confrontado com os gigantescos carvalhos de espessa folhagem, fica desorientado num primeiro momento, já que não há uma única perspectiva que o guie.” O quadro escapou a um incêndio em Madrid em 1734.
(Cerca do ano 1620, óleo sobre madeira, 59x41 cm)
JAN BRUEGHEL, O JOVEM
“Um dos mais belos e originais bosques bíblicos” de Jan Brueghel, o Jovem. É assim que o catálogo da exposição define a obra. Vale a pena seguir a explicação aí apresentada: “À primeira vista parece que o importante não é o tema dos animais representados mas sim o bosque, que está executado com extrema minúcia. O espectador, confrontado com os gigantescos carvalhos de espessa folhagem, fica desorientado num primeiro momento, já que não há uma única perspectiva que o guie.” O quadro escapou a um incêndio em Madrid em 1734.
ATALANTA E MELEAGRO CAÇANDO O JAVALI DE CÁLIDON
(c. 1635-1636, óleo sobre tela, 160x260 cm)
PETER PAUL RUBENS
O pintor inspirou-se na história de uma caçada descrita pelo poeta romano Ovídeo. É uma das poucas paisagens de Rubens pintadas sobre tela. “A luz dourada do crepúsculo projecta-se desde o fundo, à esquerda, e ilumina as figuras, absorvidas pela envolvente. Tudo nesta pintura transmite uma sensação de frenesim”, lê-se no catálogo. O quadro foi comprado num leilão em 1640, ano da morte de Rubens, pelo rei Filipe IV de Espanha.
(c. 1635-1636, óleo sobre tela, 160x260 cm)
PETER PAUL RUBENS
O pintor inspirou-se na história de uma caçada descrita pelo poeta romano Ovídeo. É uma das poucas paisagens de Rubens pintadas sobre tela. “A luz dourada do crepúsculo projecta-se desde o fundo, à esquerda, e ilumina as figuras, absorvidas pela envolvente. Tudo nesta pintura transmite uma sensação de frenesim”, lê-se no catálogo. O quadro foi comprado num leilão em 1640, ano da morte de Rubens, pelo rei Filipe IV de Espanha.
COMBATE NAVAL FRENTE A UMA COSTA ROCHOSA
(c. 1626-1627, óleo sobre madeira, 37x58 cm)
HENDRICK CORNELISZ (ou HENDRICK VROOM)
Vroom dedicava-se em exclusivo, desde 1620, à pintura de bosques e vistas fluviais. E é nesse contexto que aparece este quadro. Representa o combate entre um navio turco e um navio holandês. Note-se que as bandeiras da embarcação neerlandesa, à direita, não são as que Vroom pintou: foram substituídas pela cruz de Santo André da Armada espanhola, mas não é certa a razão do retoque. Os motivos marinhos na pintura, acredita-se, tinham por objectivo exaltar o ambiente natural dos Países Baixos, que queriam sublinhar o estatuto de independência.
(c. 1626-1627, óleo sobre madeira, 37x58 cm)
HENDRICK CORNELISZ (ou HENDRICK VROOM)
Vroom dedicava-se em exclusivo, desde 1620, à pintura de bosques e vistas fluviais. E é nesse contexto que aparece este quadro. Representa o combate entre um navio turco e um navio holandês. Note-se que as bandeiras da embarcação neerlandesa, à direita, não são as que Vroom pintou: foram substituídas pela cruz de Santo André da Armada espanhola, mas não é certa a razão do retoque. Os motivos marinhos na pintura, acredita-se, tinham por objectivo exaltar o ambiente natural dos Países Baixos, que queriam sublinhar o estatuto de independência.
MERCADO E LAVADOURO NA FLANDRES
(c. 1621-1622, óleo sobre tela, 166x194 cm)
JAN BRUEGHEL, O VELHO
e JOOS DE MOMPER, O JOVEM
Lavar roupa e pô-la a corar ao sol era uma actividade frequente nas aldeias depois do Inverno e é isso que este quadro representa. Sabe-se que estamos na Primavera pelos rebentos das árvores. Para além da actividade das mulheres há um detalhe interessante: a figura feminina que aparece junto à água, com dois bebés. Poderá ser mulher de um dos autores, segundo alguns especialistas.
(c. 1621-1622, óleo sobre tela, 166x194 cm)
JAN BRUEGHEL, O VELHO
e JOOS DE MOMPER, O JOVEM
Lavar roupa e pô-la a corar ao sol era uma actividade frequente nas aldeias depois do Inverno e é isso que este quadro representa. Sabe-se que estamos na Primavera pelos rebentos das árvores. Para além da actividade das mulheres há um detalhe interessante: a figura feminina que aparece junto à água, com dois bebés. Poderá ser mulher de um dos autores, segundo alguns especialistas.
O PORTO DE AMESTERDÃO NO INVERNO
(c. 1656-1660, óleo sobre tela, 67x91 cm)
HENDRICK JACOBSZ
(ou HENDRICK DUBBELS)
Pintor obscuro, destacou-se nas paisagens invernosas de portos e praias. Aqui representou uma vista característica do porto de Amesterdão, abandonando a gama monocromática da sua fase artística inicial. “Paisagem aberta, de horizonte baixo e colorido local, mais atenta à representação da natureza coberta de neve e gelo do que à descrição de motivos pitorescos”, refere o catálogo da exposição.
(c. 1656-1660, óleo sobre tela, 67x91 cm)
HENDRICK JACOBSZ
(ou HENDRICK DUBBELS)
Pintor obscuro, destacou-se nas paisagens invernosas de portos e praias. Aqui representou uma vista característica do porto de Amesterdão, abandonando a gama monocromática da sua fase artística inicial. “Paisagem aberta, de horizonte baixo e colorido local, mais atenta à representação da natureza coberta de neve e gelo do que à descrição de motivos pitorescos”, refere o catálogo da exposição.
PAISAGEM COM MOISÉS SALVO DAS ÁGUAS
(1636-1641, óleo sobre tela, 209x138 cm)
CLAUDE LORRAIN
Pintado de propósito para o Palácio do Bom Retiro de Madrid (segunda residência de Filipe IV de Espanha, a partir de 1640), o quadro retoma um tema bíblico clássico. Mas o pastor que dorme em primeiro plano é um mistério, já que não se compreende bem a relação da figura com o resto do tema. Claude Gelleé, também conhecido como Claude Lorrain (c. 1600-1682) foi um artista prolífico e obteve grande êxito: conhecem-se-lhe 250 quadros e as falsificações de que foi alvo começaram logo em 1635.
(1636-1641, óleo sobre tela, 209x138 cm)
CLAUDE LORRAIN
Pintado de propósito para o Palácio do Bom Retiro de Madrid (segunda residência de Filipe IV de Espanha, a partir de 1640), o quadro retoma um tema bíblico clássico. Mas o pastor que dorme em primeiro plano é um mistério, já que não se compreende bem a relação da figura com o resto do tema. Claude Gelleé, também conhecido como Claude Lorrain (c. 1600-1682) foi um artista prolífico e obteve grande êxito: conhecem-se-lhe 250 quadros e as falsificações de que foi alvo começaram logo em 1635.
PAISAGEM COM CIGANOS
(c. 1641-1645, óleo sobre tela, 177x239 cm)
DAVID TENIERS, O JOVEM
Os ciganos situam-se na zona rochosa, numa alusão à vida errante que tinham, enquanto os camponeses, habitualmente com uma vida regrada, estão junto às casas, do lado esquerdo. Influenciados pelo estilo dos pintores italianos, os paisagistas nórdicos começam a abandonar a visão grandiosa da paisagem, a partir da segunda metade do século XVII. A importância deste quadro é a de ser um dos primeiros testemunhos dessa mudança de paradigma. Faz parte do acervo do Museu do Prado desde pelo menos 1834.
(c. 1641-1645, óleo sobre tela, 177x239 cm)
DAVID TENIERS, O JOVEM
Os ciganos situam-se na zona rochosa, numa alusão à vida errante que tinham, enquanto os camponeses, habitualmente com uma vida regrada, estão junto às casas, do lado esquerdo. Influenciados pelo estilo dos pintores italianos, os paisagistas nórdicos começam a abandonar a visão grandiosa da paisagem, a partir da segunda metade do século XVII. A importância deste quadro é a de ser um dos primeiros testemunhos dessa mudança de paradigma. Faz parte do acervo do Museu do Prado desde pelo menos 1834.
[textos publicados na Time Out Lisboa de 27 de Novembro de 2013, pp. 22 a 24]