terça-feira, 13 de maio de 2014

Mentiras em dia de funeral

“Antes de aprenderem a amar, os homossexuais aprendem a mentir.” A frase é do dramaturgo canadiano Michel Marc Bouchard e pertence à peça Tom à La Ferme, adaptada ao cinema pelo também canadiano Xavier Dolan, de 25 anos, o menino-prodígio do cinema queer actual. É o filme de encerramento do 11º IndieLisboa, festival internacional de cinema independente  – passa este sábado, dia 3, às 21.30 na Culturgest, numa sessão por convite para a qual, informa a organização, também há alguns bilhetes à venda (4 euros). 

Tom à La Ferme (“Tom Visita a Quinta”, em tradução livre) põe em cena um rapaz (o próprio Xavier Dolan) que viaja até uma vila do interior do Canadá para ir ao enterro do namorado, que vivia com ele em Montréal. Chegado a casa da mãe do namorado, descobre que esta  (Lise Roy) não sabia, ou quer convencer-se disso, que o filho era homossexual. Descobre também que o falecido tem um irmão (Pierre-Yves Cardinal) cuja sexualidade carrega um enorme ponto de interrogação. É ele quem obriga Tom a alimentar a fábula em que vive a mãe.

A frase de Michel Marc Bouchard, incluída na peça mas deixada de fora do guião, alegadamente porque o realizador gosta de manter um certo grau de incerteza nestes temas, é uma poderosa síntese da história. No mais homoerótico filme de Dolan, sobrevém a homossexualidade não-cosmopolita, através de uma tensão quase sádica entre dois homens. Mostra-se a fachada, e talvez o medo da verdade, ainda que não se vislumbre qualquer crítica àquilo a que muitos chamam “homofobia interiorizada”. É um filme sobre a homossexualidade como desejo, não sobre a identidade gay, e nele se fazem constatações mais do que comentários.

Quarta longa-metragem de Dolan, depois de J'ai Tué Ma Mère (2009), Amores Imaginários (2010) e Laurence para Sempre (2012) – todos em torno das sexualidades –, Tom à la Ferme ganhou o prémio FRIPESCI dos críticos de cinema no Festival de Veneza do ano passado e, de acordo com a distribuidora Alambique, irá estrear-se dentro de poucos dias nas salas portuguesas. Entretanto, o quinto filme de Dolan, Mommy, é certo no festival de Cannes, que se inicia a 14 de Maio. Bruno Horta

[texto publicado na Time Out Lisboa de 30 de Abril de 2014, p. 64]