Perfil do bailarino e coreógrafo André Mesquita, na revista "Pública", ontem:
Foi há uma semana que viveu um dos momentos mais importantes da sua vida. A 27 de Abril, apresentou no Centro Cultural do Cartaxo, em estreia absoluta, as coreografias “Morada de Silêncio” e “Como É Bom Tocar-te”. Da primeira é co-autor, juntamente com Teresa Alves da Silva, que foi bailarina principal do extinto Ballet Gulbenkian. A segunda, foi criada exclusivamente por ele, mas em estreita colaboração com os intérpretes (Teresa Alves da Silva, César Fernandes, Filipa Peraltinha, Hugo Marmelada e Kelly Nakamura). “O trabalho em dança contemporânea só faz sentido se houver interacção entre o criador e os bailarinos”, sublinha.
Não foi a primeira vez que André Mesquita assinou coreografias. Já o tinha feito, por exemplo, na Companhia Oficina dos Sentidos, do Teatro [Municipal] de Hildesheim, no Norte da Alemanha – onde ainda está radicado. A novidade é a de que as duas peças marcaram o início da actividade da Tok’Art, uma associação de profissionais da dança contemporânea.
Aos 27 anos, sabe que o seu futuro profissional depende em grande medida do êxito da Tok’Art. A ideia partiu dele e a direcção é partilhada com Teresa Alves da Silva e Rita Judas. “Estava com vontade de voltar a coreografar e de trabalhar com algumas pessoas que admiro. Achei que fazia sentido voltar a Portugal. Tinha e tenho a convicção de que há espaço para nós”, explica o bailarino e coreógrafo, durante uma conversa nos camarins do Centro Cultural do Cartaxo.
O apelo do movimento do corpo apareceu em criança. “Dançava muito em casa”, conta. Aos 13 anos, conseguiu convencer os pais e inscreveu-se na Academia de Dança de Setúbal, cidade onde nasceu. “Nessa altura, comecei a ver espectáculos e ficava fascinado com o passos dos bailarinos. Queria ser coreógrafo, sem ter ainda noção do que isso implicava”. Aluno aplicado, pensou que o seu caminho era o ballet. Mas apercebeu-se depressa de que não tinha de estar vinculado apenas à dança clássica. Aproximou-se, então, da contemporânea e ainda hoje tem William Forsythe, conhecido bailarino vanguardista, como uma das suas referências. Apesar disso, e contra o que é habitual ouvir-se, garante que “é possível ser-se um excelente profissional de dança contemporânea sem ter tido formação clássica”. Aliás, acrescenta, “talvez o talento nem seja o mais importante; o trabalho constante e a procura do estímulo certo, às vezes, contam mais”.
Estagiou na Companhia Nacional de Bailado, passou pela CeDeCe (Setúbal) e pela Dançarte (Palmela) e acabou na Companhia Portuguesa de Bailado Contemporâneo, de Vasco Wellenkamp. Em 2002, uma fractura no pé direito, cuja recuperação demorou quase um ano, obrigou-o a parar e a tornar-se ensaiador da Companhia de Dança de Almada. A experiência durou pouco tempo, porque “era difícil sobreviver com o que ganhava”. Partiu, então, para a Alemanha, para actuar como solista na Oficina dos Sentidos, dirigida pelo português Carlos Matos. “Trabalhávamos muitíssimo, mas foi um período muito interessante”, recorda.
A estada de dois anos, que está prestes a terminar, serviu-lhe para descobrir a efervescência de um país em que quase todas as cidades têm teatros e companhias de dança e onde, na sua opinião, o público tem apetência pelo experimentalismo nesta área. Foi lá, também, que conheceu o trabalho de Marco Goecke, um dos coreógrafos residentes do Ballet de Estugarda, de quem fala com visível entusiasmo. “Acho-o genial. Há nele qualquer coisa de Pina Bausch, mas é muito mais agressivo fisicamente. Alguns colegas meus dizem que o trabalho com ele foi a experiência física mais dolorosa e interessante que tiveram”.
André Mesquita vive agora em função da Tok’Art, que define como “uma plataforma de criação” e não como uma companhia de dança – porque não há intérpretes residentes ou salários fixos. Está a negociar a apresentação das duas novas coreografias em salas de Lisboa e do Montijo e, no próximo ano, pretende concorrer ao Programa de Apoio a Projectos Pontuais, do Instituto das Artes, que subsidia trabalhos de uma grande parte dos artistas portugueses. “Se as coisas correrem bem, queremos também ocupar um espaço próprio e desenvolver trabalho pedagógico, para gerar receitas próprias”. Onde e como, é coisa que só o tempo dirá. O investimento financeiro é pessoal, por enquanto.
Consciente de que a extinção do Ballet Gulbenkian, há dois anos, “deixou um espaço em branco na dança contemporânea”, está disposto a dar o seu contributo para o preencher. “Houve alguns intérpretes a sair do país, mas muitos ficaram e estão disponíveis. Vamos trabalhar com eles, com os portugueses, e, se possível, trazer criadores estrangeiros”. O primeiro da lista é, precisamente, Marco Goecke. “Estou em contacto com a agente dele, já percebi que tem uma agenda muito preenchida. Gostava de criar em conjunto ou trazer alguma peça dele ao nosso país”. Bruno Horta