domingo, 6 de janeiro de 2008

Luiz Pacheco (1925-2008)

Morreu ontem, dia 5. No dia anterior, tinha Cruzeiro Seixas feito notar, a propósito da morte de Fernando José Francisco, que a sua geração tem estado a desaparecer rapidamente.
Luiz Pacheco há-de ficar conhecido como espaventoso, qual Cesariny, que editou e com quem se zangou, diz-se que irremediavelmente. Mas de um e de outro contará sempre mais, para quem goste, o que deixaram escrito:

Vou tentar definir mui singela e rapidamente o que penso disto de MALDITOS e MALDIÇÕES. Uma ideia inteiramente oposta; embora não a perfilhem sempre vo-la digo como prometi.

Para mim um ESCRITOR MALDITO é:

a) o que escreve mal. Logo e com mais propriedade lhe devíamos chamar escritor malescrito. Mas escrever mal tem vários sentidos. Pode ser, por exemplo, escrever bem de mais, isto é, com punhos de renda, prosa muito burilada, versos esotéricos, academismos duma figa. O principal é que ele escreva como quer e seja parecido com o que escreve. Escrita exacta, única, original, a expressão duma personalidade, o panorama duma vida.

(…)
b) o escritor dos domingos. Somos quantos os escritores ou escribas (meu caso) profissionais em Portugal? Dois, três? Ferreira de Castro, Mário Domingues e... eu? vivendo exclusivamente da pena?... O conselho mais prudente e a segunda (que ideia! a primeira) profissão, a que rende. Depois, ao serão, nos fins-de-semana, com o tempo roubado ao repouso e ao sono, ir escrevinhando. O equívoco era cómico a não ser dramático.

(…)
c) Os vendilhões. E estes são de duas ou mais espécies: os jornalistas e os publicitários. A classe de jornalista é das mais nobres, todos o sabem. Em Portugal se exerce também como se sabe. O que me mete horror e já por lá passei — Jesu! Jesu! Jesu!... — é que o jornalista, na sua rotina, é obrigado a escrever patacoadas anódinas, a empregar chavões, a exercitar as faculdades no que em nada lhe interessa. Não que venda a consciência, mas sim (pelo menos) tempo e ganhando em virtuosidade artesanal (a muito apregoada facilidade de escrever dos jornalistas) o que perde em candura lidando com uma matéria difícil — as palavras, senhoras donas nossas — de que o uso imoderado corrompe a força e a frescura, a novidade. O publicitário, com a direita agitando o slogan idiota e com a canhota fazendo odes a Catarina Eufémia, deixem-me rir! E nem digo mais nada.

Eis, em breve exemplo, o que é para mim um escritor maldito. E a eles e aos que por simpatia ou querendo sangrar-me em vida, me chamam maldito nas barbas ou pelas costas, daqui grito sem ira nenhuma ou rancor, como saudação amigável:

Raios os partam!


Luiz Pacheco

Excerto da crónica 'O Que é um Escritor Maldito?', do livro "Raio de Luar", Oficina do Livro, 2003.
A imagem reproduz uma foto de Luiz Pacheco, assinada por João Francisco Vilhena, contra-capa de "Raio de Luar".