sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Este homem transformou poesia em jornalismo

Era 14 de Abril de 1930 e ele já tinha perdido tudo. A amante, a fama, a multidão que delirava ao escutá-lo, o vigor das cordas vocais e, pior ainda, a fé na Revolução. Só lhe faltava perder a vida. Pôs-se a jogar à roleta russa, impecavelmente vestido, como exigia a tradição da época, e sobre o coração descarregou o tambor de um revólver.

Deixou uma mensagem de despedida, decalcada de um poema que em tempos tinha dedicado à amante Tatiana Iakovleva. Com um verso principal: “O barco do amor desfez-se contra a repetição monótona da vida”.

Se até o momento do suicídio Vladímir Maiakovski (1893-1930) transformou em poema-notícia da morte, porque não pode ele ser conhecido como poeta-repórter da vida? Mais de 78 anos depois, um dos nomes principais do futurismo russo começa finalmente a libertar-se do anátema de propagandista da Revolução Soviética e a ganhar outra espessura. A isso obriga a leitura do livro Night Wraps de Sky (ed. Farrar, Straus and Giroux), publicado este ano [2008] nos EUA e organizado por Michael Almereyda, publicista, argumentista e realizador.

O livro, de quase 300 páginas, compacta décadas de textos e ensaios acerca e da autoria do poeta georgiano (Maiakovski nasceu na Geórgia, quando o país ainda não tinha sido anexado pela URSS; apesar disso, era de origem russa e não georgiana).

Logo na introdução, recorda-se Maiakovski como o agitador e propagandista que também foi. E, precisamente por isso, sentencia-se a novidade: “O que ele verdadeiramente desejava era fazer da poesia uma ruidosa notícia de última hora”, escreve Almereyda. Mais à frente, aparece um excerto de um texto do próprio poeta, I, Myself (1922), onde, no contexto de um desabafo, a tese de Almereyda é confirmada: “Tento conscientemente trabalhar como um jornalista de jornal. Artigo, título. Outros poetas bem tentam, mas não conseguem uma escrita jornalística concisa, limitam-se a publicar em suplementos socialmente irresponsáveis. A lírica de merda deles faz-me rir, porque é preguiçosa e só interessa às mulheres deles."

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Seguindo pistas do livro americano, é possível encontrar vários herdeiros legítimos do louco futurista. O estilo jornalístico de Maiakovski seria seguido, mais de 30 depois da sua morte, por poetas americanos como Allen Ginsberg, Kenneth Koch e Frank O’Hara. “Apaixonaram-se por ele, absorvendo técnicas (a quebra de versos longos, o uso flexível do “eu” e do “tu”) e a inquietude que mistura no sujeito poético política e personalidade, confissão e reportagem”, escreve Almereyda.

[no "Ípsilon", do Público, hoje; texto: Bruno Horta; foto: V.V. Mayakovsky Museum, Moscow; excerto.]

Versão integral aqui.