sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Entrevista com Alan Hollinghurst


Depois do gravador desligado, no bar de um hotel de Lisboa, o escritor britânico Alan Hollinghurst fala sobre as redes sociais na internet e nota que têm mudado bastante a forma como os homens gay se conhecem. “Talvez seja o tema do meu próximo livro.” Pouco antes, foi outro o motivo da conversa: O Filho do Desconhecido, publicado em Junho em Inglaterra e agora traduzido para português. É o menos homoerótico dos seus cinco romances. [...] Tímido e fleumático, Hollinghurst, de 57 anos, fala como escreve: o mais importante nas entrelinhas



Disse numa entrevista recente que ser conhecido como escritor gay já não tem importância.
Cansei-me desta cena: entrevistadores heterossexuais de mente aberta que vão ter com o escritor gay para que ele fale sobre sexo. Em 2011, as entrevistas deveriam ir mais além. Mas não tenho tido sorte.

Que explicação encontra?
É uma narrativa com a qual as pessoas continuam a identificar-se. Aparecer como gay foi importante no início [o primeiro livro, A Biblioteca da Piscina, saiu em 1988 e foi traduzido em Portugal em 2009]. A literatura gay mal existia, pelo menos aos olhos do grande público. Entretanto, houve enormes alterações, a nossa cultura tornou-se liberal e progressista neste particular. A categoria literatura gay dissolveu--se na corrente e, de certa forma, tornou-me menos necessária.

Quer dizer que quanto mais direitos legais são reconhecidos aos homossexuais no Ocidente, menos interessantes se tornam.
Sem dúvida. A vida gay contemporânea tornou-se pouco estimulante como tema literário. Sei que as coisas não são perfeitas, mas hoje há cada vez mais homossexuais assumidos, logo, ser gay tornou-se quase irrelevante, porque pouco distintivo. Havia mais material quando se tratava de uma questão problemática, quando havia conflito e ocultação.
 
É por isso que O Filho do Desconhecido é o menos gay dos seus romances?
Não sei. Este livro descreve vários graus de dificuldade na relação com a homossexualidade. Começa em vésperas da I Guerra Mundial, quando é uma coisa sobre a qual não se pode falar, e acaba em 2008, num mundo com uniões civis [civil partnerships] entre homossexuais. É um livro cheio de ambiguidade sexual e daí as personagens bissexuais. Interessou-me escrever sobre a variedade de experiências sexuais, não tanto sobre comportamentos classificáveis.
 
E parece ter-se cansado das cenas de sexo entre homens.
Nunca me cansaria de tal coisa. O leitor é deixado à mercê da incerteza que rodeia as personagens e não sabe, à excepção de um ou dois momentos, o que aconteceu entre elas. Teria sido incongruente explicitar demasiado.
 
Uma coisa que mantém é o fascínio pelas classes altas. Porquê?
Na verdade, o que me fascina é o fascínio pelas classes altas. É um complexo muito britânico, que mistura uma certa inveja com vontade de lá chegar. É muito divertido escrever sobre as classes altas. Fazem o que as outras não podem, têm maior margem de manobra para pisar o risco. Na minha cabeça há um pouco de Henry James: escrever sobre os interstícios da vida privada, sobre as classes cuja origem dos rendimentos é deselegantíssimo referir. Neste sentido, estarei a dar continuidade à tradição britânica da comédia de costumes.
 
Sobre o Prémio Booker [o mais importante da literatura inglesa]: porque é que não lho deram este ano?
Devem ter achado que o meu livro não era bom.

E para além dessa resposta politicamente correcta?
A presidente do júri, Stela Rumming, antiga líder dos serviços de espionagem [directora-geral do MI5 de 1992 a 96] é uma pessoa sem grandes pergaminhos literários. E foi muito clara ao dizer que queria distinguir histórias diferentes do habitual. É-me difícil dizer mais, passaria por ressentido.

Que opinião tem sobre a era do casamento gay e das uniões civis registadas?
As uniões começaram em Inglaterra em 2005 e passei o ano seguinte a ser convidado para cerimónias. Agora estou a viver a primeira vaga de divórcios. É uma imitação da estrutura social vigente. Parece-me bem. Não tenho a nostalgia que noto em algumas pessoas mais velhas que eu, que conservam a excitação da ilegalidade e ficaram muito desapontadas com o caminho que o movimento gay tomou.

Foi um caminho de libertação ou de arregimentação?
Um movimento de libertação que,  em última análise, ambiciona deixar de existir... É como a literatura gay, que tem esse propósito e acaba por o ver extinguir-se. Não posso falar por uma imensidão de pessoas. Sei que os gays continuam a achar graça à provocação, o que não aconteceria se tivesse havido uma integração avassaladora. Mas também vejo que os desfiles gay tinham objectivos políticos e agora são festas com homens seminus. Já não há um ponto de vista político, é tudo pour épater le bourgeois. Tenho sentimentos paradoxais sobre este assunto.

Bruno Horta

(entrevista originalmente publicada na revista Time Out Lisboa de 23 de Novembro de 2011)