Um novo livro recupera fotografias captadas em Nova Iorque nos anos 60. Hoje dizemos que são imagens gay, à época dizia-se que eram imagens de atletas, escreve Bruno Horta.
Danny Fitzgerald (1921-2000) gostava de teatro e cinema e coleccionava revistas de homens nus. Tinha estatura baixa, era um pouco efeminado e musculado. Cresceu em Brooklyn, Nova Iorque, e viveu praticamente a vida inteira em casa dos pais: mãe italiana, pai irlandês, ambos comerciantes. Era um homossexual no armário, como então se usava, mas o interesse pelas artes levou-o a aproximar-se da fotografia no fim da década de 50 e a tornar-se fotógrafo de rapazes de rua. Fez centenas de retratos numa estética que imitava ora o retrato clássico, ora a pornografia homossexual típica daquele tempo nos EUA.
Brooklyn Boys, agora publicado pela editora alemã Bruno Gmünder, recupera essas imagens vintage. Com edição e textos de Robert Loncar e James Kempster, o volume reproduz 152 fotos, quase todas a preto e branco, tiradas entre 1959 e 1966.
Talvez surpreenda o facto de os modelos cultivarem um aspecto atlético e cuidado, nada distante do padrão actual. De resto, o trabalho de Danny Fitzgerald não foi totalmente inovador.
Depois da II Guerra Mundial tinha surgido nos EUA a moda das revistas fotográficas com homens nus, incluindo na capa. Physique Pictorial, de Bob Mizer, foi a pioneira. Depois veio a Adonis, a Body Beautiful, a Young Physique, entre muitas outras. Não eram apresentadas como revistas para homossexuais, embora toda a gente soubesse que era esse o público principal. À superfície, revistas que fomentavam a prática de exercício físico. Na verdade, as primeiras revistas pornográficas gay. “Beefcake magazines” é o termo utilizado em inglês. (Um parêntesis para dizer que em 2000 o artista plástico lisboeta João Pedro Vale criou uma peça intitulada “Beefcake”, consistindo num haltere de musculação, em baton e esferovite, que remetia para o imaginário erótico daquelas revistas.)
Os rapazes das classes baixas, muitos de origem italiana, foram os primeiros e os principais modelos de Danny Fitzgerald. Viviam na zona de Carroll Gardens, em Brooklyn, e pertenciam ao famoso gangue dos anos 50 “South Brooklyn Boys” , nome que passaria a designar mais tarde todos os jovens italo-americanos que faziam da rua um modo de vida. Alguns eram prostitutos, Danny Fitzgerald pagava-lhes para posarem.
O fotógrafo conhecia-os no ginásio que frequentava. “Impressionava-os ao exibir conhecimentos de literatura e cultura geral e através de elogios à beleza física dos jovens. Era então que uma nota de dez, 20 ou 50 dólares escorregava para os bolsos dos rapazes”, lê-se.
Ao longo da década de 60, Danny Fitzgerald apurou o estilo e passou a publicar nas revistas Era, The Young Physique e Muscles à Go-Go, entre outras. Assinava como Les Demi Dieux. Praticamente até ao ano da sua morte, poucos sabiam quem era a pessoa por detrás do pseudónimo. Brooklyn Boys é o primeiro livro que junta as peças. Richard Bennett, um dos modelos e mais tarde companheiro de vida, trabalhou sempre com ele e ajudou na elaboração do livro.
Os editores destacam a influência, no trabalho de Danny Fitzgerald, de fotógrafos como Alfred Eisenstaedt (famoso pela foto do casal que se beija em Times Square no fim da II Guerra) e de realizadores como Leni Riefenstahl e Sergei Eisenstein.
Será exagero acrescentar que muitos anos depois seria Danny Fitzgerald a exercer influência sobre fotógrafos como Bruce Weber, aquele que criou a imagem homoerótica das marcas Calvin Klein e Abercrombie & Fitch?
[texto publicado na Time Out Lisboa de 6 de Novembro de 2013, pp. 64 e 65]