Negócios. Família de Leiria com fortuna de milhões
Em nome do pai
Começaram por baixo, como vendedores de máquinas, e
hoje são uma das famílias mais ricas de Portugal. Donos do Grupo Lena, facturam
milhões de euros e querem continuar a crescer. Perfil dos Rodrigues, protegidos
no céu, adorados na terra. Bruno Horta
António ainda nem sabia andar e já tinha o destino
traçado. Baptizaram-no como o pai e determinaram que, tal como ele, haveria de
ser empresário. Aos 14 anos já passava as férias do Natal em cima das máquinas
de terraplanagem que o pai vendia, para aprender a sério como funcionava
o motor da pequena riqueza da família. Ao mesmo tempo, era instigado a
correr o mundo, para alargar os horizontes. Ainda adolescente, foi a Londres,
ao Japão e à Austrália, quase sempre sozinho. Aos domingos, alumiava a alma no
altar de uma igreja.
António Vieira Rodrigues, o patriarca, viu nele um
sucessor à altura. Nos anos 90, quando os negócios já tinham crescido mais do
que alguma vez imaginara, passou-lhe o testemunho. Hoje, António Barroca
Rodrigues, o filho pródigo, está à frente de um pequeno império familiar
chamado Lena. A sede do grupo é em Leiria, mas ele estende-se por todas as
áreas possíveis e imaginárias e tem ramificações no Leste europeu, em África e
na América do Sul. No ano passado facturou, números oficiais, 425 milhões de
euros. A riqueza da família Rodrigues é de 90,3
milhões – 70 lugares abaixo de Belmiro de Azevedo, o mais rico de Portugal.
Para não se perder o fio à meada, é preciso recuar ao
início dos anos 70. O leiriense Vieira Rodrigues, homem de origem humilde, mas
de inteligência afiada, torna-se vendedor de máquinas de terraplanagem para a
agricultura. Rapidamente, passa a fazer negócio com construtores civis e é com
eles que troca umas ideias. Ainda se aventura, na fase final do Estado Novo,
numa viagem a África. Vai a Angola e a Moçambique “olhar o mercado”, como conta
o filho. Abre uma conta bancária na antiga Lourenço Marques, mas volta à
metrópole, sem grande vontade de se estabelecer lá fora. Depois do 25 de Abril,
convida alguns dos seus empregados para se associarem a ele na fundação da
Construtora do Lena – do nome do rio que desagua na sua cidade. É apenas o
princípio de uma grande fortuna. Os anos do cavaquismo e das grandes obras
públicas vão ser dourados para os Rodrigues. Auto-estradas, pontes, barragens,
escolas. Estiveram e estão em todos os grandes negócios. Como conseguem? “A
única escola de gestão que o meu pai frequentou foi a da vida”, disse Barroca Rodrigues
à SÁBADO, durante uma conversa no seu muito sóbrio gabinete de trabalho, na
sede do grupo, junto à estação de comboios de Leiria.
A presença de Deus tem sido indispensável. E a
força dos homens, em oposição à das mulheres, também. Vieira Rodrigues preparou
muito bem a sucessão. Deixou tudo aos varões. A única filha, Fátima, tem
funções executivas, é certo, mas é pelos manos António Barroca Rodrigues e
Joaquim Barroca Vieira Rodrigues que todo o poder circula. O primeiro ficou com
a parte de leão. Preside à Lena SGPS, a casa mãe que dá origem a todas as
outras empresas do grupo – nove sub-holdings
e 72 empresas, das quais são donos ou sócios. Joaquim manda numa das
sub-holdings, a Lena Construções, herdeira da Construções do Lena, que contribui
com 42,2% para o total de facturação anual do grupo. O velho patriarca continua
a ser sócio maioritário e a presidir ao conselho de administração, mas já não
decide nada. Ainda assim, o filho António nem sonha subalternizar-se. “Eu e
os meus irmãos continuamos a respeitá-lo como patrão e vemo-nos como meros
funcionários dele”.
Quanto à devoção católica, não é ostensiva, mas é
assinalável. A primeira pessoa a quem Barroca Rodrigues ouviu dizer que o pai é
um self-made man foi ao reitor do santuário de Fátima, monsenhor Luciano
Guerra, visita da casa. Fonte autorizada disse à SÁBADO que “é normal” que uma
família de homens de negócios seja “muito bem relacionada com quem tem poder”.
António Sala, nome fundamental da cristã Rádio Renascença, já esteve presente
em eventos sociais do grupo Lena, cujo hino, escrito por uma funcionária e
apresentado na última festa de Natal, deixa entender o espírito que os rege:
“Nascemos dos bons valores, criámos a união, na família o fundamento, nos
parceiros a gestão.”
Foi depois de o fundador se retirar que os filhos
começaram a alargar a carteira de investimentos. Com o dinheiro do betão a
sustentar tudo, avançaram pela estrada do sucesso. Como grupo, a Lena nasce em 1998. Contam cerca de cinco mil empregados e, de
acordo com Barroca Rodrigues, o objectivo hoje é o de “crescer ainda mais”. No
início deste ano, apresentaram ao Governo uma proposta para concorrerem, ao
lado da espanhola Aldesa, à construção da rede nacional do TGV. E compraram cinco
empresas em Angola, na área da construção civil, turismo, automóveis e
comunicação. O negócio lá fora tem crescido “dois a três dígitos por ano”,
adianta. A área da biotecnologia também lhes interessa. São donos de metade da
Biocodex, uma empresa que se associou à Universidade do Porto para investigar
células estaminais. Até 2010 querem três das sub-holdings cotadas em bolsa.
Para já, têm hotéis e restaurantes, empresas de
distribuição de gás natural, concessionários de automóveis e de combustível, seguradoras
e agências de viagens. E jornais e rádios locais. Fonte segura adianta
que “não há a mínima espécie de ingerência” da família Rodrigues na linha
editorial dos meios de comunicação que detém. Mas lembra que a Lena se viu
envolvida em polémica por causa da recente construção do estádio do União de
Leiria. A atribuição do alvará ao grupo foi posta em causa por outros
contendores. E nessa altura “os jornais deles foram mais tímidos do que outros”
no acompanhamento do assunto.
É talvez seja para evitar problemas do género que
se remetem ao silêncio. Chegar até Barroca Rodrigues é muito difícil. Raramente
dá entrevistas. É um homem muito ocupado, pouco expansivo, sem o dom da
palavra, muito prudente. Quando se lhe pergunta pelos seus negócios, hesita.
Quando se lhe pede para falar sobre o mundo empresarial em geral, tem a
resposta na ponta da língua. É como as várias tartarugas de plástico que
decoram as prateleiras do seu gabinete: passa muito tempo escondido e só se
mostra quando é preciso.
Uma empregada traça o perfil da família: “Simples,
razoável e discreta”. Barroca Rodrigues acha que os três adjectivos descrevem
bem a realidade e acrescenta um outro: “humanista”. “É sempre difícil falarmos
de nós mesmos, mas, pelos menos, tentamos praticar a educação humanista que o
nosso pai nos deu”. No meio disso, como é ser rico? “Não é muito diferente de
há dez anos, quando não éramos”, garante o empresário.
[uma versão deste artigo foi publicada em Abril de 2006 na revista Sábado]