domingo, 23 de novembro de 2014

Em nome do pai



Negócios. Família de Leiria com fortuna de milhões

Em nome do pai



Começaram por baixo, como vendedores de máquinas, e hoje são uma das famílias mais ricas de Portugal. Donos do Grupo Lena, facturam milhões de euros e querem continuar a crescer. Perfil dos Rodrigues, protegidos no céu, adorados na terra. Bruno Horta


António ainda nem sabia andar e já tinha o destino traçado. Baptizaram-no como o pai e determinaram que, tal como ele, haveria de ser empresário. Aos 14 anos já passava as férias do Natal em cima das máquinas de terraplanagem que o pai vendia, para aprender a sério como funcionava o motor da pequena riqueza da família. Ao mesmo tempo, era instigado a correr o mundo, para alargar os horizontes. Ainda adolescente, foi a Londres, ao Japão e à Austrália, quase sempre sozinho. Aos domingos, alumiava a alma no altar de uma igreja.


António Vieira Rodrigues, o patriarca, viu nele um sucessor à altura. Nos anos 90, quando os negócios já tinham crescido mais do que alguma vez imaginara, passou-lhe o testemunho. Hoje, António Barroca Rodrigues, o filho pródigo, está à frente de um pequeno império familiar chamado Lena. A sede do grupo é em Leiria, mas ele estende-se por todas as áreas possíveis e imaginárias e tem ramificações no Leste europeu, em África e na América do Sul. No ano passado facturou, números oficiais, 425 milhões de euros. A riqueza da família Rodrigues é de 90,3 milhões – 70 lugares abaixo de Belmiro de Azevedo, o mais rico de Portugal.


Para não se perder o fio à meada, é preciso recuar ao início dos anos 70. O leiriense Vieira Rodrigues, homem de origem humilde, mas de inteligência afiada, torna-se vendedor de máquinas de terraplanagem para a agricultura. Rapidamente, passa a fazer negócio com construtores civis e é com eles que troca umas ideias. Ainda se aventura, na fase final do Estado Novo, numa viagem a África. Vai a Angola e a Moçambique “olhar o mercado”, como conta o filho. Abre uma conta bancária na antiga Lourenço Marques, mas volta à metrópole, sem grande vontade de se estabelecer lá fora. Depois do 25 de Abril, convida alguns dos seus empregados para se associarem a ele na fundação da Construtora do Lena – do nome do rio que desagua na sua cidade. É apenas o princípio de uma grande fortuna. Os anos do cavaquismo e das grandes obras públicas vão ser dourados para os Rodrigues. Auto-estradas, pontes, barragens, escolas. Estiveram e estão em todos os grandes negócios. Como conseguem? “A única escola de gestão que o meu pai frequentou foi a da vida”, disse Barroca Rodrigues à SÁBADO, durante uma conversa no seu muito sóbrio gabinete de trabalho, na sede do grupo, junto à estação de comboios de Leiria.



A presença de Deus tem sido indispensável. E a força dos homens, em oposição à das mulheres, também. Vieira Rodrigues preparou muito bem a sucessão. Deixou tudo aos varões. A única filha, Fátima, tem funções executivas, é certo, mas é pelos manos António Barroca Rodrigues e Joaquim Barroca Vieira Rodrigues que todo o poder circula. O primeiro ficou com a parte de leão. Preside à Lena SGPS, a casa mãe que dá origem a todas as outras empresas do grupo – nove sub-holdings e 72 empresas, das quais são donos ou sócios. Joaquim manda numa das sub-holdings, a Lena Construções, herdeira da Construções do Lena, que contribui com 42,2% para o total de facturação anual do grupo. O velho patriarca continua a ser sócio maioritário e a presidir ao conselho de administração, mas já não decide nada. Ainda assim, o filho António nem sonha subalternizar-se. “Eu e os meus irmãos continuamos a respeitá-lo como patrão e vemo-nos como meros funcionários dele”.


Quanto à devoção católica, não é ostensiva, mas é assinalável. A primeira pessoa a quem Barroca Rodrigues ouviu dizer que o pai é um self-made man foi ao reitor do santuário de Fátima, monsenhor Luciano Guerra, visita da casa. Fonte autorizada disse à SÁBADO que “é normal” que uma família de homens de negócios seja “muito bem relacionada com quem tem poder”. António Sala, nome fundamental da cristã Rádio Renascença, já esteve presente em eventos sociais do grupo Lena, cujo hino, escrito por uma funcionária e apresentado na última festa de Natal, deixa entender o espírito que os rege: “Nascemos dos bons valores, criámos a união, na família o fundamento, nos parceiros a gestão.”



Foi depois de o fundador se retirar que os filhos começaram a alargar a carteira de investimentos. Com o dinheiro do betão a sustentar tudo, avançaram pela estrada do sucesso. Como grupo, a Lena nasce em 1998. Contam cerca de cinco mil empregados e, de acordo com Barroca Rodrigues, o objectivo hoje é o de “crescer ainda mais”. No início deste ano, apresentaram ao Governo uma proposta para concorrerem, ao lado da espanhola Aldesa, à construção da rede nacional do TGV. E compraram cinco empresas em Angola, na área da construção civil, turismo, automóveis e comunicação. O negócio lá fora tem crescido “dois a três dígitos por ano”, adianta. A área da biotecnologia também lhes interessa. São donos de metade da Biocodex, uma empresa que se associou à Universidade do Porto para investigar células estaminais. Até 2010 querem três das sub-holdings cotadas em bolsa.


Para já, têm hotéis e restaurantes, empresas de distribuição de gás natural, concessionários de automóveis e de combustível, seguradoras e agências de viagens. E jornais e rádios locais. Fonte segura adianta que “não há a mínima espécie de ingerência” da família Rodrigues na linha editorial dos meios de comunicação que detém. Mas lembra que a Lena se viu envolvida em polémica por causa da recente construção do estádio do União de Leiria. A atribuição do alvará ao grupo foi posta em causa por outros contendores. E nessa altura “os jornais deles foram mais tímidos do que outros” no acompanhamento do assunto.


É talvez seja para evitar problemas do género que se remetem ao silêncio. Chegar até Barroca Rodrigues é muito difícil. Raramente dá entrevistas. É um homem muito ocupado, pouco expansivo, sem o dom da palavra, muito prudente. Quando se lhe pergunta pelos seus negócios, hesita. Quando se lhe pede para falar sobre o mundo empresarial em geral, tem a resposta na ponta da língua. É como as várias tartarugas de plástico que decoram as prateleiras do seu gabinete: passa muito tempo escondido e só se mostra quando é preciso.


Uma empregada traça o perfil da família: “Simples, razoável e discreta”. Barroca Rodrigues acha que os três adjectivos descrevem bem a realidade e acrescenta um outro: “humanista”. “É sempre difícil falarmos de nós mesmos, mas, pelos menos, tentamos praticar a educação humanista que o nosso pai nos deu”. No meio disso, como é ser rico? “Não é muito diferente de há dez anos, quando não éramos”, garante o empresário.



[uma versão deste artigo foi publicada em Abril de 2006 na revista Sábado]