E de repente, no fim
de 2014, aparece o livro gay mais impressionante dos últimos 12 meses. Acabar
com Eddy Bellegueule, autobiografia sob a forma de romance, relato atroz da
violência física, verbal e simbólica sobre um adolescente homossexual que vive
numa aldeia e pertence a uma família pobre. “Um manifesto sobre a possibilidade
de nos reinventarmos”, diz o autor, Édouard Louis.
A Time Out entrevistou-o, há
dias, em Lisboa. Rapaz alto, magro, de sorriso tímido, muito curioso, nasceu há
22 anos numa aldeia de Hallencourt, no Norte de França. Vive agora em Paris, onde
estudou sociologia. Começou a escrever este primeiro romance quando
tinha 19. É ele o protagonista da história, quando ainda se chamava Eddy
Bellegueule.
Entretanto, mudou de nome, matou o passado e arrumou-o neste livro
– trazido para Portugal por uma nova editora lisboeta, Fumo Editora, com
tradução do crítico António Guerreiro. O realizador André Téchiné, adianta Édouard
Louis, vai adaptar a história ao cinema e o filme deverá sair em 2016.
Fez questão de ser entrevistado pela Time
Out Lisboa quando lhe disseram que é a única publicação em Portugal que escreve
regularmente sobre a realidade gay. Porquê?
Porque sou gay e é
importante falar para o público gay. Muitos artistas e escritores têm problemas
com isso. Há pouco tempo, em França, houve grande controvérsia por um
jornalista se ter dirigido a Xavier Dolan com a expressão “realizador gay”. Ele
respondeu: “Sou realizador, não sou um realizador gay”. Para mim é muito importante
afirmar esta condição. Aliás, tento mostrar com o livro que a homossexualidade
foi a única maneira que encontrei de fugir da minha família. Foi por ser
homossexual que consegui fugir.
Se não fosse homossexual teria reagido de
outra forma?
A princípio, foi um
problema, a família do Eddy dizia-lhe que ele não fazia parte da família, porque
era homossexual. Ele tentou tudo para ser normal, quis jogar futebol, quis gostar
de mulheres. Mas depois percebi que era impossível, sentia este desejo e continuava
a ser um rapaz feminino. No fim do livro, mostro que foi por os outros dizerem
que eu era diferente que não tive outra escolha que não fosse ser diferente e
fugir. A sociologia explica isto: se houver cinco filhos numa família pobre e
um deles abandonar a família, são altas as hipóteses de ele ser homossexual.
[uma versão desta entrevista foi publicada na Time Out Lisboa de 3 de Dezembro de 2014, p. 78]