Bruno Horta já leu o novo livro de José António Almeida. É um olhar
sobre os acontecimentos de Janeiro de 2010.
Quatro anos passados sobre a entrada em vigor da lei do casamento entre
pessoas do mesmo sexo, está na altura de reflectir sobre o tema e apresentar um
testemunho daqueles dias. Assim terá pensado o poeta e escritor José António
Almeida, cujo novo livro, Memória de Lápis de Cor, faz um balanço muito pessoal
daquilo a que ele chama “uma nova realidade que destrona arcaicas ficções
delirantes e homofóbicas”.
A capa cor-de-rosa, quase infantil, não deixa adivinhar o que as 47
páginas do livro exibem. O percurso do autor, marcado pela ficção e poesia,
também não. Memória de Lápis de Cor, oitavo livro de quem começou a publicar em
1984, é diário, é crónica e são memórias. Não há poesia, apenas ideologia.
Nascido em 1960, declara-se “católico de condição homossexual”. A vivência no Alentejo profundo (vila de Cuba) leva-o a concluir que “a situação dos homossexuais melhorou um pouco na capital e noutras cidades durante os últimos anos mas continua muito complicada ou bastante difícil nas aldeias, vilas e pequenos centros urbanos.”
O artigo 13º da Constituição portuguesa, que desde 2004 inclui a
orientação sexual como característica em função da qual ninguém pode ser
prejudicado ou beneficiado, é “insuficiente, por demasiado abstracto”, escreve
José António Almeida. O casamento gay, aprovado a 8 de Janeiro 2010, esse sim,
“constitui a mais sábia, prudente e segura maneira de prevenir crimes de
natureza vária contra qualquer homossexual vivo ou por nascer”. Acrescenta: “A já principiada institucionalização universal do
casamento entre pessoas do mesmo sexo produz um efeito de homologação entre
hétero e homossexuais.”
Numa obra que parece ser a primeira do género a pensar à distância as alterações do Código Civil em 2010 são lançadas farpas aos que vêem o casamento como uma “imposição uniformizadora da diversidade homossexual” (argumento de sectores feministas e de esquerda, segundo os quais o casamento é uma instituição retrógrada e os homossexuais não deveriam querer pertencer-lhe).
Sobre política partidária, o livro recorda que o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista foram os únicos a inscrever explicitamente nos seus programas eleitorais de 2009 a promessa de aprovação do casamento (mas José António de Almeida omite que num primeiro momento, em 2008, o Partido Socialista votou contra o casamento gay e em 2010 recusou a parentalidade aos homossexuais).
Sobre a Igreja, lê-se que “a mais purpurada hierarquia católica e os católicos fundamentalistas do mundo inteiro permanecem incapazes de compreender que é possível viver de amoroso modo a condição homossexual como forma de bem-aventurança”.
Por isso, José António de Almeida deixa o vaticínio: “O próximo grande passo rumo à vitória da liberdade e ao triunfo do amor parece ser o casamento religioso entre pessoas do mesmo sexo.” Eis a ideia nova que o livro contém.
[textos publicado na Time Out Lisboa de 20 de Julho de 2014, p. 64]